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O Calor das Coisas

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[Nélida Piñon]

Vem de longe a formação literária de Nélida Piñon. Já nos idos de 1979, ao ser entrevistada pela Revista Brasileira de Língua e Literatura, dizia aos seus entrevistadores ser muito difícil detectar as suas próprias origens, decifrar o seu próprio enigma. Isso porque, tocando nesse enigma, ela põe o dedo no mistério da criação e descobre a existência da palavra perdida ou escondida. E logo acrescenta que a sua vocação desabrochou quando descobriu a existência (e a importância!) dessa palavra recôndita.

A linguagem oficial, diretamente colhida no registro do dicionário, obriga-nos a pensar dentro do Código. Assim, num dos seus primeiros contos, ao definir uma ladeira, ela escreveu a palavra íngreme. "Foi um choque muito grande", observa. Resolveu, então, que pagaria qualquer preço, mas não poderia jamais apostar num texto em que tivesse de escrever ladeira íngreme. Desde cedo, pressentiu que a língua convencionalmente centrada no lugar comum do Código deveria ser abolida do seu processo criador, dando lugar à linguagem. Como se vê, o texto criativo de Nélida Piñon levanta, antes de tudo, uma questão conflitual entre língua e linguagem.

Desde o início, em sua inquietação de jovem escritora, ela revelava perfeita consciência dos limites da língua centrada no Código (igual a lugar onde se fixa uma cultura, segundo Michel Foucault) e da infinitude potencial da linguagem. Sabia que o texto que remete ao Código não passa de um texto reduplicador de sentidos; e que a linguagem literária, só pelo processo de rupturas, poderia instaurar sentidos novos, dando-se isso pela revelação da palavra perdida ou escondida. Assim, avançando pelas fissuras da linguagem, ela própria começava a desvendar um mundo invisível, mas ansioso por ter visibilidade, pois toda estrutura significante esconde um significado que vai além do sentido meramente linguístico. Em outras palavras, um texto literário sempre esconde uma cena latente por detrás do significado linear da cena manifesta.

No seu processo de criação, desde cedo percebeu que a cena latente devia valer mais que a cena simplesmente manifesta. A busca, por vezes desesperada, da palavra escondida, exatamente a que vai instaurar sentidos novos, é que pode explicar o salto da estática da língua para a dinâmica do discurso.

Capa do livro o Calor das CoisasNarradora e intelectual ativa, Nélida Piñon, defensora da arte de contar, pensou que Sherazade era a criatura mais emblemática neste assunto e que o Oriente Médio era o enclave perfeito para soltar a imaginação humana. "Eles têm um único Deus. É um lugar no qual se reúnem três religiões monoteístas que abraçam um Deus invisível, e isso também é pura imaginação, porque é algo não tangível, não palpável; é tão sutil que seus efeitos provocam versões distintas", assinalou a escritora de "A república dos sonhos". Sedução, sonhos, imaginação, erotismo, beleza e mestiçagem percorrem as páginas deste livro, em que as mulheres têm claro protagonismo. "Como escritora tenho o grande prazer de observar e, embora acredite que também faço personagens masculinos completos, aqui favoreço as mulheres.

Quero ser uma escritora proteica e assimilar muitas formas humanas e poder me tornar criança, homem, vegetal ou animal. Ser polissêmica e camaleônica". E para conseguir este propósito, Nélida Piñon, cuja obra foi traduzida para vários idiomas, assegurou que seu projeto de vida tem que ser "a carnalidade humana". "Se Flaubert teve a pretensão deslumbrante de dizer que Madame Bovary era ele, eu também posso ser tudo. Para mim, a melhor maneira de dirigir um projeto de criação é sendo capaz de se colocar nas veias alheias", disse a escritora.

Resumo dos Contos

O Jardim das Oliveiras

Zé é o narrador, ele vai ser levado de seu apartamento à força, vai ser interrogado sobre o paradeiro de um tal Antônio. Zé e seus algozes conhecem Antônio como membro de um grupo perseguido pelo regime militar. Zé não suporta a ideia de ser torturado novamente, pois já tivera esta experiência anteriormente. Sente fraco e incapaz de resistir à força dos poderosos que se abate sobre ele. Ele acredita que não vai resistir e acabará entregando o amigo a seus perseguidores.

As Quatro Penas Brancas

Os amigos Pedro e Rubem estão conversando, eles precisam ir a Niterói para buscar dinheiro emprestado com o pai de Rubem, pois ele deve a pensão dos quatro filhos, que moram com a mãe Alice. Conseguem o dinheiro e, no caminho de volta, a bordo da barca, conhecem Colombo, o vendedor de amendoim.

Colombo conta-lhes sua estranha e obsessiva amizade por Bulhões. O tempo que moraram juntos e sua vida na fazenda comprada por Colombo no tempo em que era rico. Após a separação dos amigos, Colombo vai à falência e passa a viver da venda de amendoins na barca rio-niterói.

Enfim, após muita conversa, os quatro decidem ir beber umas cervejas. Num bar escuro, os três conversam quando, de repente chega Bulhões. Os quatro, então gastam todo o dinheiro da pensão dos filhos de Rubem.

I Love My Husband

Num texto belíssimo, com brilhantes metáforas e uma refinada ironia, a narradora declara seu amor a seu marido. Mas ocorre que esse marido é um homem egoísta, machista e não considera nada do que essa esposa diz ou pensa. Ela acredita que, afinal, ele está certo em querer ser o chefe do lar, decidir por tudo do jeito dele. Ela faz crer que é feliz e assim é que as coisas devem ser.

O Ilustre Menezes

O narrador, Menezes, é casado com Conceição, uma mulher educada num rigoroso sistema moralista. Proíbe-se ter prazer ou conversar sobre sua intimidade. Menezes conta que tem o hábito de dormir fora de casa nas Quintas-feiras , pois vai ver sua amante Pastora. Apesar da impertinência da sogra, D. Inácia, ele dobra a mulher com as desculpas mais esfarrapadas, como por exemplo ir ao teatro sozinho com medo que a esposa se aborreça com as peças. Ele arruma uma segunda amante, Delfina, que acaba por abandona-lo. No conto, predomina a atmosfera de século XIX, com uma linguagem no estilo Machado de Assis. Aliás, o final da história faz referência ao célebre conto Missa do Galo, do referido autor.

Finisterre

A narradora em 1º pessoa, visita o padrinho de 60 anos, que mora em uma ilha. Ambos são galegos, raça forte e emotiva. O almoço e o passeio são cheios de imagens de carinho e ternura do padrinho. Enfim a narradora se despede como quem nunca mais vai voltar a ver as pessoas queridas que deixa na ilha.

Tarzan e Beijinho

O narrador fala de seus amigos, Tarzan(americano) e Beijinho(brasileira). Eles se adoram mas o narrador acha melhor afastar-se deles, deixá-los a sós para curtirem-se mais à vontade. Depois de um tempo, o narrador recebe bilhetes dos amigos, decide procurá-los e é recebido friamente. Assim percebe que a amizade tem muito valor.

A Sombra da Caça

A narradora dirige-se a seu filho em uma carta. Ela lhe fala da tumultuada relação que tivera com o marido. O quanto ela lutou para livrar-se dele e do amor incondicional que ele lhe oferecia. Ao expulsá-lo de casa, ela perdeu a chance de ser feliz. O pai foi embora para nunca mais voltar. No fim do conto, o filho envia à mãe um bilhete dizendo-lhe que o pai nunca deixara de amá-la.