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História da Donzela Teodora

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O caso de História da Donzela Teodora foi recolhido por Leandro Gomes de Barros e transformado em cordel. Perceba que ele apenas recriou e faz questão de ressaltar isso:

Caro leitor, escrevi
Tudo que no livro achei
Só fiz rimar a história
Nada aqui acrescentei
Na história grande dela
Muitas coisas consultei.

A história da donzela contada por Leandro Gomes de Barros remonta, segundo a professora e mestra em Letras Francisca Neuma Fechine Borges, ao século XI I I , sendo transmitida por meio da tradição oral, de versos e de prosa.

Em Portugal, continua sendo a de 1712, a primeira edição documentada da História da Donzella Theodora em que trata de sua grande formosura e sabedoria, traduzida por Carlos Ferreira Lisbonense, já mencionada em Cinco livros do povo (CASCUDO, 1953, p. 37-59).

Enredo

A História da Donzela Teodora conta como uma jovem que seria vendida como escrava foi salva por um comerciante húngaro, que viu na moça traços de fidalguia e de honestidade.

Eis a real descrição
Da história da donzela
Dos sábios qu ela venceu
E a aposta ganha por ela
Tirado tudo direito
Da história grande dela.

Houve no reino de Tunis
Um grande negociante
Era natural da Hungria
E negociava ambulante
A quem podia chamar-se
Uma alma pura e constante.

Andando um dia na rua
Numa praça pôde ver
Uma donzela cristã
Ali para se vender
O mercador vendo aquilo
Não pode mais se conter.

Tinha as feições de fidalga
Era uma espanhola bela
Ele perguntou ao mouro
Quanto queria por ela
Entraram então em negócio
Negociaram a donzela.

O húngaro conheceu nela
Formato de fidalguia
Mandou educá-la bem
Na melhor escola que havia
Em pouco tempo ela soube
O que ninguém mas sabia.

Comentário: o espaço que nos é apresentado é um certo reino de Tunis. Esse espaço indefinido, não preciso, nebuloso, é característico das antigas narrativas populares de príncipes e princesas encantadas, assim como de heróis memoráveis. O rico e bondoso comerciante adota a jovem como sua filha, dando-lhe condições para desenvolver sua inteligência nata. O húngaro financia o acesso da jovem ao mundo do saber e ela não o decepciona, visto que acaba por dar aula aos seus mestres.

Mandou ensinar primeiro
Música e filosofia
Ela sem mestre aprendeu
Física e astrologia
Descrever com distinção
História e anatomia.

Ela que já era um ente
Nascido por excelência
Como quem tivesse vindo
Das entranhas da ciência
Tinha por pai o saber
E por mãe a inteligência.

Em pouco tempo ela tinha
Tão grande conhecimento
Que só Salomão teria
De igual conhecimento
Cantava e tocava música
Em qualquer um instrumento.

(...)

Admirou todo mundo
O saber dessa donzela
Tudo que era em ciência
Podia se encontrar nela
O professou que ensinou-a
Depois aprendeu com ela.

Comentário: observe que, como é comum nas narrativas populares, há uma idealização das qualidades da jovem Teodora, cujo nome está ligado a sua própria natureza de beleza e inteligência.

O destino do generoso mercador que salvara Teodora e lhe dera acesso ao mundo do conhecimento, começa a mudar quando toda a riqueza do húngaro vai parar no fundo do mar e este se vê falido e sem perspectivas. Essa situação dá cabimento a alguns ditos do ideário popular, tais como: Quem planta o bem colhe o bem e Sorte ou azar só o tempo dirá. Isso porque é nesse momento que o comerciante pede ajuda a privilegiada sabedoria da jovem Teodora, que sem vacilar aponta a solução.

Ela quando viu aquilo
Sentiu no peito uma dor
E lhe disse: - Tenha fé
Em Deus nosso salvador
Vou estudar um remédio
Que salvará o senhor.

E disse: - Meu senhor saia
Procure um amigo seu
É bom ir logo na casa
Do mouro que me vendeu
Chegue lá converse com ele
E conte o que lhe sucedeu.

O que ele oferecer-lhe
De muito bom grado aceite
E veja se ele vende
Vestidos que me endireite
Compre dele todas as jóias,
Que uma donzela se enfeite.

Se o mouro vender-lhe tudo
Com que posso me compor
Vossa mercê vai daqui
Vender-me ao rei Almansor
É esse o único meio
Que salvará o senhor.

A famosa donzela planeja salvar seu senhor através de sua inteligência, numa situação quase picaresca. A narrativa se distancia da verossimilhança. Teodora diz ao mercador que este deveria pedir dez mil dobras de ouro ao rei por ela como escrava. Esse valor era absurdo, mesmo por uma jovem tão bela, nas palavras do pretenso comprador. No entanto, o rei terá uma mostra de
quanto a jovem valia pelo seu profundo conhecimento sobre todos os ramos do saber.

O rei olhou a donzela
E disse dentro de si
Foi a mulher mais formosa
Que neste mundo já vi
Trinta ou quarenta minutos
O rei presenciou ela ali.

Perguntou ao mercador:
- Por quanto vende a donzela?
- Por dez mil dobras de ouro
É o que peço por ela
E não estou pedindo caro
Visto a habilidade dela.

Disse o rei ao mercador:
- Senhor estou surpreendido
Dez mil dobras de bom ouro
É preço desconhecido
Ou tu não queres vendê-la
Ou estás fora de sentido.

Disse o mercador: - El-rei
Não é caro esta donzela
Dobrada a esta quantia
Gastei para ensinar ela
Excede a todos os sábios
A sabedoria dela.

O rei desafia a donzela a responder às perguntas de um dos seus sábios. As perguntas do sábio versaram sobre: as ações de Deus, os signos do zodíaco e sobre a influência dos astros no comportamento humano. Teodora respondeu a todos os questionamentos com maestria, fazendo, inclusive, comentários entre suas respostas. Essas questões e suas respostas não são realmente pragmáticas, mas fazem parte do ideário popular e acabam por representar a cultura popular desde uma visão mítica.

Depois de todas as perguntas e respostas, declarou o primeiro sábio:

/O /Sá/bio a/li /lê/van/tou/-se
/Dis/se ao/ rei/: - Es/ta /don/ze/la
/Não/ há /Sá/bio a/qui /no/ mun/do
/Que /te/nha a/ ci/ên/cia/de/la
/Eu /com/fes/so a/ vos/sa al/te/za
/Que es/tou /vem/ci/do/ por/ e/la.

O rei chamou um segundo sábio que fez perguntas sobre três assuntos: a influência dos signos na medicina; a natureza do comportamento feminino; os pontos que identificam a beleza da mulher. Teodora respondeu a todas as questões e mais uma vez provou sua sabedoria. Dando-se por vencido, o segundo sábio declarou a inteligência da moça.

- Donzela, o sábio lhe disse:
Sei que és espirituosa
Entre todas as pessoas
És a mais estudiosa
Diga que sinais precisam
Para a mulher ser formosa.
(...)
O sábio quando ouviu isso
Ficou tão surpreendido
E disse: - El-rei Almansor
Confesso que estou vencido
E quem argumentar com ela
Se considere perdido.

Um terceiro sábio foi convocado pelo rei: Abraão de Trabador. Este, que tem o nome do sábio e profeta da cultura judaica cristã, desafia a donzela em sua sabedoria e esse lhe propõe uma aposta: aquele que perdesse o embate ficaria nu na frente de todos. Veja-se aqui uma espécie de peripécia para prender a atenção do leitor.

Minha aposta é a seguinte
De nós o que for vencido
Ficará aqui na corte
Publicamente despido
Ficando completamente
Como quando foi nascido.

O sábio disse que sim
Mandaram o termo lavrar
E a donzela pediu
Ao rei para assinar
Para a parte que perdesse
Depois não se recusar.

Lavraram o termo e foi
As mãos do rei Almansor
Pra fazer válido o trato
E ficar por fiador
Obrigando quem perdesse
Dar as roupas ao vencedor.

Abraão de Trabador faz uma longa série de perguntas para tentar por em falso a inteligência da donzela, no entanto a cada pergunta sua há uma resposta da protagonista. Teodora faz comentários, o que força o sábio a tentar ludibriála. As questões são apresentadas num misto de adivinhas, discussões culturais, científicas e humanas. Por não conseguir vencer a donzela, o sábio é forçado a pagar a aposta, sendo obrigado pelo rei a ficar inteiramente nu.

/O /di/a/ Deus/fez/ bem/cla/ro
/A /noi/te /fez /bem/ es/cu/ra
/Se /de /noi/te hou/ves/se/ sol/
/Es/ta/va o /ho/mem /na al/tu/ra
/De /no/tar/ es/se /de/fei/to
/E /cen/su/rar/ a/ na/tu/ra.

O sábio baixou a vista
E ouviu tudo calado
Nada teve a dizer
Pois já estava esgotado
E tinha a plena certeza
Que ficaria injuriado.

Disse ao público: - Senhores,
A donzela me venceu
Não sei com qual professor
Esta mulher aprendeu
Aí a donzela disse:
- Então o mestre perdeu!

/E/le /ven/do/ que/ es/ta/va
/Es/go/ta/do/ seus/ re/cur/sos
/Fi/cou/ trê/mu/lo e/ mui/to /pá/lido (8 silabas)
Fugindo-lhe até os pulsos
/Pros/trou-/se aos/ pés/ do/ El/ rei/
/Se /su/fo/can/do em/ so/lu/cós.

História da Donzela Teodora - Adalberto

E disse: Senhor, confesso
A vossa real majestade
Que vejo nessa donzela
A maior capacidade
Ela merece ter prêmio
Pois tem grande habilidade.

Como toda narrativa popular, cheia de aventuras e peripécias, História da donzela Teodora tem um final feliz com a vitória da heroína e uma espécie de justiça divina. Há, na verdade, uma lição moral na narrativa. A petulância doúltimo sábio é derrotada e a heroína sai vitoriosa.

Ficaram todos os sábios
Daquilo impressionados
Pois uma donzela escrava
Vencer três homens letrados
Professores de ciência
Doutores habilitados.

Abraão de Trabador
Com todos não discutia
Já tinha vencido muitos
Em música e filosofia
Em história natural
Matemática e astronomia.

Ele descrevia a fundo
Os reinos da natureza
Era engenheiro perito
De tudo tinha certeza
Descrevia o oceano
Da flor d água a profundeza.

Tanto que quando ele entrou
Que fitou bem a donzela
Calculou dentro de si
A força que havia nela
Confiando em sua força
Por isso apostou com ela.

Caro leitor, escrevi
Tudo que no livro achei
Só fiz rimar a história
Nada aqui acrescentei
Na história grande dela
Muitas coisas consultei.

Personagens

1. Comerciante húngaro: compra a donzela Teodora e a protege, cuidando de sua educação; é o beifeitor da donzela.

2. Teodora: seu nome significa dádiva de Deus, heroína perfeita; Tinha feição de fidalga / Era uma espanhola bela / Em pouco tempo tinha el a/ Tão grande adiantamento / Que só Salomão teria / Um igual conhecimento.

3. Rei Almansor: é o rei que vai comprar a donzela Teodora para livrar o seu dono dos problemas financeiros.

4. os três sábios: inquiridores da donzela.

Referências

BARROS, Leandro Gomes de. História da donzela Teodora, Fortaleza: novembro de 2000.
MEDEIROS, Irani. (Org.) No reino da poesia sertaneja. Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Idéia, 2002.
SOBRINHO, José Alves. Cantadores, repentistas e poetas populares. Campina Grande-PB: Editora Bagagem, 2003.

Elaboração: Equipe Aprovação Vest