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Título do artigo:

Raciocínio, Heurísticas e resolução de problemas

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Originalmente, o significado do termo funcional racio-cínio1 seria redutível a seu radical ─ em português, proveniente do latim, ratio, razão (Fernandes, Luft & Guimarães, 1991); o que determinaria como característica fundamental o uso de uma lógica possível, ─ enquanto parâmetro racional, numa determinada aplicação.

Muito embora uma conceituação final dos processos cognitivos seja tarefa de difícil execução para qualquer aparato epistemológico, um mínimo de controle conceitual sobre a cadeia de eventos relativa ao raciocínio enquanto processo, e sobre o fenômeno da resolução de problemas enquanto sistema tornaria indispensável sua aplicação.

Mais especificamente; a aplicação aqui correspondente ao ciclo de resolução de problemas, como descrito por Sternberg (1994), e o vínculo funcional com o processo cognitivo raciocínio, de acordo com a interpretação da literatura de Skinner (1980); consiste na capacidade de um organismo desempenhar uma reação organizada ao ambiente, por meio da construção de cadeias de estímulos que discriminem as possibilidades de resposta.

Logo, quando fazemos uso do termo composto reação organizada, estamos nos referindo não apenas à padrões de resposta adquiridos no decorrer da história de aprendizagem de um individuo, mas, sobretudo, a sua interação com os mais diversos ambientes enquanto da reação sistêmica do organismo aos estímulos discriminados.

Em um nível mais prático, a Análise do Comportamento dispõe de recursos epistemológicos destinados a compreender a interação entre os organismos e os ambientes aos quais eles estão dispostos, e estão potencialmente capacitados a responder, tão logo que o ambiente externo disponibilize aos organismos, séries de estímulos redutíveis às reações do organismo (Skinner, 2003. p. 38-39).

O presente artigo objetiva a produção de um diálogo teórico-conceitual entre a Análise do Comportamento Humano e a Psicologia Cognitiva, acerca dos métodos e processos de raciocínio comparativo, serial e paralelo, enquanto heurísticas aplicadas à resolução de problemas, tendo-se por cautela que, tanto os conceitos, quanto o modus operandi de ambas não sejam considerados redutíveis entre si.

Mais especificamente ainda; a discussão teórica enfoca duas categorias amplas de heurística de raciocínio, tal como apresentado por Ginsberg (1993): heurísticas pattern matching (fora a terminologia, equivalente a parallel matching), e heurísticas serial matching, enquanto conjuntos de processos, ou mesmo, estratégias cognitivas.

As considerações finais apresentam informações complementares sobre os temas discutidos, assim como resumem alguns aspectos interessantes para que uma melhor consideração do texto seja possível.

Lógica e semântica: a informação e o significado

A análise epistemológica do fenômeno raciocínio implica que, quando determinamos que a atividade racional atenda a princípios de ordenação e controle, (Epstein, 2003. p. 30-41) por mais complexa que ela seja, o caráter sistêmico do processamento da informação, também indique que a relação entre a informação e a semântica não seja inerente as mesmas, tampouco ao sistema de organização do qual deriva. Mas sim, ao método de interpretação da organização analisada.

Uma determinada quantidade de informação, independente ao formato organizado, pode conter diversos significados, pois o que um conjunto de dados significa depende de como ele é interpretado. Ou seja, a semântica depende da atribuição de uma qualidade a este conjunto de dados, por meio de um sistema de identificação previamente estabelecido.
A compreensão do fenômeno também é possivelmente redutível à epistemologia da Análise do Comportamento proposta por Skinner: a transmissão de estímulos (Dados) é identificada e processada de acordo com o modo de tratamento da informação (Repertório de respostas), constituído previamente como recurso de identificação, por meio da prévia eficácia obtida nos resultados (Seleção por consequências) de lançamentos anteriores similares. O que também justificaria sua função, devido ao valor atribuído a necessária eficiência de relação entre o estímulo e a resposta.

Num nível mais prático, a Análise do Comportamento dispõe de recursos epistemológicos destinados a compreender a interação entre os organismos e os ambientes aos quais eles estão dispostos, e são potencialmente capacitados a responder, tão logo que o ambiente externo disponibilize aos organismos séries de estímulos redutíveis às reações do organismo (Skinner, 2003. p. 38-39).

No entanto, ainda que um determinado princípio de organização da informação preconize que o reconhecimento de uma dada configuração seja possível devido ao princípio de pregnância2 da informação, devido à coesão e redundância de conjuntos de dados (Epstein, 2007. p. 8-11), sua lógica de funcionamento não é de modo algum um sistema fechado, por mais coesas que sejam suas relações.

Toda lógica funcional se apresenta como um aparelho processador de informações, com o qual estas se tornam redutíveis à cadeias semânticas, estabelecidas por elementos e cadeias externas a sua constituição, que organizam o substrato de dados. Ou seja, todo veículo lógico é um aparelho relacional de informações que depende de uma meta-lógica (Wang, 1987), que atribua à estrutura do sistema, valores variáveis e tenha por função a geração de dados lógicos.

De forma que podemos compreender as estratégias de raciocínio, resolução de problemas e aprendizagem, também enquanto sistemas lógico-semânticos.
A meta-lógica em sentido estrito pode ser identificada como disciplina do conhecimento abstrato; e em latu sensu, lógica da lógica; modo de interpretação e ou construção de uma estrutura lógica, por meio de uma estrutura de identificação exterior a ela própria.

Heurísticas e tipos de raciocínio

Uma heurística consiste numa coletânea de conhecimentos aplicados a uma solução para problemas ou dificuldades. Mais radicalmente, são estratégias constituídas como compilação de estruturas de dados, que permitam a atribuição valores variáveis e gerem o produto de seu cálculo (Newell, Shaw & Simon, 1959. p 256-264). Como podemos compreender mais claramente;

As heurísticas foram consideradas durante muito tempo modelos cognitivos por excelência, elas constituem-se como regras baseadas na experiência e no planejamento, substituindo as anteriores baseadas na procura algorítmica que chega às soluções corretas depois de ter combinado o problema com todas as soluções possíveis (Newell, Shaw & Simon, 1959. p. 256).

Logo, o processo de geração de heurísticas comparativas pode ser estabelecido entre formas específicas ou gerais, e estas sendo decorrentes da coesão entre os elementos de uma determinada estrutura, a reação a um estímulo apresentado derivaria, a princípio, de uma redução da informação disponível, orientada por repertórios básicos, fórmulas e funções sintéticas.

"Assim, percebemos ou entendemos o mundo, ou seja, num certo sentido, temos informação a respeito dele a partir da redundância, que é uma redução dessa informação ou variedade." (Epstein, 2003, p. 12).

Tal compreensão do processo de produção de heurísticas apresenta consequências interessantes para a compreensão do próprio processo global de raciocínio por duas razões: primeiramente, devido incorporar o principio de entropia (Epstein, 2003. p. 8-12), ou seja, a quantidade de estados internos possíveis de um sistema e sua organização dispositiva, em nosso caso, a quantidade de informação disponível e sua ordenação, síntese e fragmentação. A segunda razão surge devido à característica de organização entrópica ser a mais eficiente forma de distinção entre um raciocínio paralelo e um raciocínio serial.

O raciocínio comparativo de padrões paralelos, embora atenda ao principio perceptual da Gestalt de informação, o reconhecimento cognitivo dos parâmetros de configuração entrópica não são determinados de forma linear, entendendo-se por linear enquanto a dependência consecutiva de uma variável em relação a uma precedente.

Diferentemente do raciocínio comparativo de padrões seriais, o qual apresenta um caráter de dependência subsequente, ou seja, a atribuição de valor de uma variável depende, necessariamente, não somente do valor de uma variável precedente, mas também, do processamento precedente da informação.

Tipos de raciocínio podem ser definidos, também, em função das estratégias que corroboram, como em Ginsberg (1993): heurísticas pattern matching, ou ainda, parallel matching, enquanto processo comparativo entre cadeias paralelas de estímulos, ou seja, comparação de padrões de configuração de objetos de análise distintos ou de um mesmo objeto temporalmente distinto; e heurísticas serial matching, enquanto processo comparativo entre cadeias em série de estímulos, ou seja, comparação de séries de configuração de objetos de análise distintos ou de um mesmo objeto temporalmente distinto.

Ambos os tipos de heurística conferem à interação entre o organismo e o ambiente a possibilidade de aquisição de novas unidades amplas de informação e de manutenção do conhecimento, tão logo do desenvolvimento tanto das estruturas quanto das funções que capacitam à aprendizagem do repertório operante.

O processo de aprendizagem não seria apenas uma consequência possível quando da resolução de problemas; mas também, e, sobretudo, o processo a partir do qual todo o sistema se torna possível.

Resolução de problemas

Ao escrever sobre resolução de problemas, Skinner (1953/2003, p. 238), em seu livro Ciência e Comportamento Humano, começa ressaltando a dificuldade em se definir o que é um problema. Uma possibilidade talvez seja de definir-lo por situações em que nos deparamos com cadeias de informações com as quais nossa organização cognitiva interage para a geração de um resultado possível à configuração discriminada, mas em que não se sabe como proceder para alcançá-lo (a) rápida e apropriadamente.

A inabilidade ou falta de repertório de respostas para verificar o método que será utilizado para atingir o objetivo final, ou mesmo a dificuldade em dar os primeiros passos, interpõem-se como obstáculos à resolução do problema.

Em muitos casos as respostas precisam ser desenvolvidas; ou pela aquisição de pacotes de informação ou pelo treino orientado. E segundo a literatura de Sternberg (2000, p. 306), primordialmente, estes são os obstáculos que constituem uma dada situaçãoproblema como sendo um problema genuíno.

O insight, ou, perspicácia, em português, pode ser inicialmente compreendido enquanto um recurso cognitivo frente a um problema estabelecido. A Psicologia Cognitiva tradicionalmente distingue Problemas de Rotina de Problemas de Insight. Nem todos os teóricos cognitivos concordam com o que é o insight, sua natureza, sua procedência ou seus efeitos.

Todavia, a maioria das teorias parece concordar sobre sua existência. Em linhas gerais, os Problemas de Rotina seriam problemas de ordem mais simples, cujas estratégias requeridas para sua resolução consistiriam em operações organizadas em algoritmos processuais. Já os Problemas de Insight por sua vez, seriam de ordem mais complexa, requerendo uma reconfiguração cognitiva afim de que a solução seja encontrada (Sternberg, 2000. p. 317-319).

Skinner postula uma distinção entre regras de primeira ordem e regras de segunda ordem. Ele afirma que as regras de primeira ordem seriam possivelmente algorítmicas. Estariam assim ligadas ao processo de indução, que deve ser entendido como "... não o processo pelo qual o comportamento se fortalece pelo reforço; [a indução] é uma análise das condições em que o comportamento é reforçado." (Skinner, 1974/1982, p. 113). Ou seja, as regras de primeira ordem seriam regras construídas indutivamente a partir da verificação de sua eficácia como geradoras de "... comportamento apropriado a um conjunto de contingências." (Skinner, 1969 / 1980, p. 279).

Enquanto isso, as regras de segunda ordem seriam as chamadas heurísticas, aqui já analisadas. Que seriam aplicadas em situações mais criativas ou menos mecânicas, afim de 'mecanizá-las', 'automatizá-las'. Estas estariam ligadas ao processo de dedução, que Skinner afirma se tratar de uma questão de "... derivar novas regras a partir das antigas" (Skinner, 1974/1982, p.117), artifício que se daria através "... de um exame dos sistemas mantenedores de contingências descritos pelas regras de primeira ordem, [...] possivelmente de forma tautológica". (Skinner, 1969/1980, p. 279).

O insight pode ser encarado puramente como o momento em que, ou a forma como uma heurística nova é formada. Contudo, uma crítica a este conceito e suas implicações vale ser ressaltada. Revisando a produção de Skinner e outros autores sobre criatividade, Barbosa aponta que a crença no comportamento criativo fundado numa faculdade interna pode acarretar em atitudes pedagógicas contraproducentes, e que retirem a responsabilidade dos educadores em "prover contingências ambientais necessárias para o seu desenvolvimento" (Barbosa, 2003, p. 191). Isto se torna mais significativo em face à confusão dos teóricos cognitivos em definir o insight.

Cadeias de estímulos e controle operante

A análise dos tipos básicos de heurísticas aplicadas à resolução de problemas podem fornecer dados sobre propriedades comportamentais relevantes, tais como: a eficiência da interação entre os estímulos discriminativos disponibilizados pelo ambiente e as respostas empregadas, a partir de fatores de evolução da eficácia de esquemas de reforçamento.

Skinner discute o tema resolução de problemas em três livros: Ciência e Comportamento Humano (1953/1978/2003), Contingências de Reforço: Uma Análise Teórica (1969/1980) e Sobre o behaviorismo (1974/1982).

O autor apresenta vários exemplos de problemas, todos com uma característica em comum: situações em que há a possibilidade de desempenho de um comportamento forte3, e, no entanto, algo impede a realização deste comportamento. Este impedimento pode ser tanto físico, como uma gaveta trancada, por exemplo, impedindo que se retirem itens ali guardados, como também um repertório comportamental restrito, onde uma habilidade fundamental a resolução do impasse não seja conhecida. Podemos citar como exemplo um aluno incapaz de resolver um problema de matemática por não se lembrar de uma equação cuja aplicação seja um passo indispensável à resolução do problema (Skinner, 1953 / 1978, p. 238-239).

Sobre resolução de problemas, Skinner destaca também, a dificuldade na resolução do processo devido a casos específicos em que os comportamentos emitidos vão se seguindo em cadeias longas de resposta, cujos primeiros elos estão longe demais do reforço terminal para serem, por este, diretamente afetados (Skinner, 1969/1980, p. 271). Com isso, o reforço terminal não pode exercer controle suficiente sobre o início do procedimento, a fim de desencadeá- lo de forma mais automática. É preciso então que o empreendimento comece com um comportamento que antecipa o reforço do comportamento subsequente (idem, p. 273-274). "Em termos técnicos, trata-se da construção de um estímulo discriminativo" (ibidem, p. 274).

Ao construir estímulos discriminativos (Sd) o número de possibilidades e tentativas, ou amostras, necessárias à solução reduzemse. Skinner, em sua definição de problemas, afirma que "... resolver um problema é, porém, mais do que emitir4 a resposta que lhe constitui a solução; é uma questão de dar os passos necessários para tornar tal resposta mais provável, via de regra mudando o ambiente." (Skinner, 1974/1982, p. 98).

Neste sentido ele cita um exemplo de uma pessoa procurando uma mala em meio a várias outras. Ele mostra como que a introdução de um simples giz, marcando as malas já verificadas, pode impedir que se verifique mais de uma vez a mesma mala, e assim poupar esforço e tempo por antecipar o reforço final, encontrar a mala certa (Skinner, 1969/1980, p. 273-274). Ele aponta para a introdução do giz na busca como uma construção de estímulo discriminativo. Para a Psicologia Cognitiva, a apreciação da situação pelo raciocínio comparativo de padrões paralelos se estabelece por comparações paralelas de configurações das situações; sejam todas as configurações em questão apresentadas de uma só vez, ou uma configuração em análise e as outras como construções de experiências passadas (Souza, 1995. p. 7), em decorrência da atividade mnemônica e de funções de reconhecimento.

O raciocínio comparativo de padrões paralelos também reduz o número de amostras necessárias à solução do problema. Essa introdução de configurações passadas pode ser entendida como uma construção de estímulos discriminativos, por que descarta a obrigação de teste de todas as configurações possíveis, até que se ache uma que encaixe, o mesmo ocorre no exemplo da mala citado acima.

A partir da Psicologia Cognitiva é possível constatar ainda, que o ser humano utiliza predominantemente o raciocínio comparativo de padrões paralelos em detrimento do raciocínio comparativo de padrões seriais, ao contrário dos computadores (Ginsberg, 1993, p. 65). Além disso, essa comparação da configuração atual com configurações passadas, sejam elas provenientes de experiências no passado do indivíduo, ou tendo sido passadas por outrem (regras), estabelece uma simetria entre as estratégias passadas e as atuais. Contudo, para falar de estratégias de resolução de problemas precisamos introduzir à discussão um termo já definido anteriormente: Heurística.

Instalação de heurísticas em um repertório comportamental

Heurísticas, como visto, são definidas pelo modelo de Processamento da Informação, apresentado por uma ramificação da Psicologia Cognitiva como estratégias simples/ informais e especulativas, desenvolvendo-se como um recurso à limitação da memória (Souza, 1995).

Seriam as estratégias de superação de obstáculos adquiridas pelos indivíduos em suas experiências pessoais, normalmente utilizadas mediante um determinado problema, que existem para suprir dificuldades humanas como: armazenar um volume muito extenso de informações disponíveis na memória, ou testar todas as possibilidades de execução de uma tarefa ou procedimento sem que se gerassem hipóteses.

Heurísticas são estratégias que surgem pela modificação do comportamento face ao problema, e são normalmente as primeiras estratégias a serem utilizadas por que em conjunturas anteriores elas 'deram conta do recado'. Podemos dizer então que a resolução de um problema contingente ao emprego de uma heurística reforça positivamente o uso da própria heurística, sendo esperado que esta estratégia seja resgatada futuramente.

Alguns autores da Psicologia Cognitiva afirmam que as heurísticas não são tão boas e/ou ilimitadas como talvez se possa especular a partir da apresentação até aqui estruturada. Eles apontam como um dos impasses à resolução de problemas a fixidez em certas estratégias, impedindo que novas possam emergir do processo de contato do indivíduo com a situação-problema e com o ambiente (Ginsberg, 1993). Ora, uma perspectiva comportamental explicaria satisfatoriamente essa fixidez, pois, se as heurísticas são reforçadas pela solução do problema, quanto mais elas forem reforçadas, maior será a probabilidade de serem aplicadas futuramente.

Contudo, ao que tudo indica, uma heurística não precisa ser necessariamente reforçada muitas vezes para que se instale no repertório de um indivíduo. Se, no evento em questão o reforço tiver sua magnitude momentaneamente potencializada, a aplicação desta heurística instalar-se-á muito mais rápida e fixamente no repertório individual. Ou seja, não necessariamente a quantidade em repetições, mas a sua intensidade qualitativa.

Em uma análise do comportamento, situações que provocam variações na eficácia de um determinado reforçador podem ser entendidas pelo conceito de Operação Estabelecedora (OE). Este conceito surgiu com o intuito de explicar, em termos comportamentais e de forma experimental, ─ sob um enfoque que se contrapusesse às visões internalistas ─ o que é comumente chamado de motivação, e seus efeitos sobre os comportamentos humanos (Miguel, 2000). As OE's apresentam dois efeitos básicos destacados por Michael (1993): "... alteram momentaneamente a. a efetividade de outros eventos e b. a frequência de ocorrência de todo o comportamento que foi reforçado por esses eventos" (Michael, 1993 apud Miguel, 2000, p. 260).

Suponhamos, por exemplo, que um sujeito esteja tentando resolver uma equação matemática muito complexa e não consegue determinar como começar e/ou qual a ordem para aplicar as fórmulas de que dispõe. Quanto mais tempo ele gastar para resolver o problema, podemos pressupor que maior será a magnitude do reforço ao final.

Esta defasagem de tempo em que o organismo fica sem receber um reforço pode ser descrito como uma OE de privação, que altera o valor deste reforço, e, por conseguinte, a frequência de aplicação futura da sequência usada na resolução da equação. Se, dado o reforçamento passado do uso de uma heurística eficiente, o indivíduo também tiver um repertório diminuto para resolução de problemas, a fixidez será facilmente compreendida e mesmo esperada como efeito.

Outra possibilidade que se encaixa nesta situação são casos em que o problema se configura, não somente por haver um impedimento, mas também por haver respostas previamente reforçadas frente ao estímulo discriminativo em questão que, todavia, o impedimento que instaura essa situação como problema bloqueia especificamente a possibilidade desta resposta ser bem sucedida.

Consideremos o exemplo dado da gaveta trancada. Se, frente ao Sd de necessitar utilizar algum item guardado na gaveta, a resposta previamente reforçada for a de puxar a maçaneta da gaveta para abrir-la, esta terá mais probabilidade de ocorrer futuramente. Contudo, se a gaveta encontrarse trancada o problema poderá instaurar-se não somente pelo impedimento físico [tranca], mas também por que a tranca impede que o comportamento previamente reforçado de puxar a maçaneta seja novamente reforçado.

Entretanto, nesse exemplo, o fato da resposta 'puxar a maçaneta' estar impedida de ser reforçada no momento presente, não garante que ela cesse automaticamente, sendo então também provável que, se o individuo não encontrar outra resposta que satisfaça sua 'necessidade', a resposta previamente reforçada se repita várias vezes.

Nesse caso, isto significaria que se o individuo não emitisse comportamentos como achar a chave, arrombar a tranca, encontrar um item equivalente ao que estava procurando dentro da gaveta, etc., provavelmente tentaria a resposta 'puxar a maçaneta', mesmo tendo plena consciência de que provavelmente não funcionaria.

Esse exemplo se assemelha a esquemas de modelagem, nos quais o experimentador para de reforçar determinado comportamento e começa a reforçar outro. Os sujeitos experimentais que não emitem de imediato o comportamento que passou a ser reforçado tendem a emitir o comportamento reforçado previamente várias vezes, mesmo não sendo mais reforçado.

Esta pode ser uma explicação, em termos comportamentais, da fixidez de certas heurísticas apontada como uma barreira ao surgimento de novas estratégias de resolução de problemas. Esta fixidez é descrita também como barreira pela abordagem cognitiva porque seus autores entendem como uma cognição concorrente ao surgimento de novas estratégias.

Todavia, Skinner adverte que apenas encontrar a solução do problema, não implica o problema resolvido, tampouco, o entendimento do processo de resolução de problemas (1953/1978, p. 239). Explica que a solução do problema pode surgir por diversas formas que não se caracterizam como resolução do problema, mas sim se "deparar com uma solução" (idem, p. 240), tais como a aprendizagem por ensaio-e-erro ou o próprio acaso.

Tais situações em nada contribuem para o entendimento do comportamento de resolução de problemas, pois se o próprio Skinner compara o surgimento de comportamentos criativos com a explicação da seleção natural das espécies (Skinner, 1974/1982, p. 100), o surgimento da solução do problema pode ser comparável a uma mutação comportamental.

Um meio de encorajar a emissão de resposta que talvez prove ser a solução é a manipulação de estímulos. [...] aumentamos as probabilidades de uma solução quando examinamos cuidadosamente um problema, quando consideramos todos os fatos, ou quando apontamos estímulos relevantes colocando o problema em seus termos mais claros. Um passo além é arranjar ou rearranjar estímulos (Skinner, 1953/1978, p. 241).

Nesse sentido, retomamos o ponto de argumentação já apresentado de que ao manipular as variáveis do ambiente, arranjando e rearranjando-os afim de que a solução do problema torne-se mais provável (idem, p.239), nada mais é do que construção de estímulos discriminativos (Skinner, 1969/1980).

Continuando: Skinner destaca um fator muito importante em termos de resolução de problemas, que nos difere substancialmente de outros animais. A capacidade de transmissão das estratégias desenvolvidas. Esta capacidade só pôde se desenvolver pela possibilidade da comunicação entre os indivíduos por meio de mecanismos como a fala e posteriormente à escrita. A esta capacidade de transmissão de estratégias nomeou-se de regras.

São citados alguns exemplos de regras como transmissão de estratégias, tais como os ditados populares e as fórmulas matemáticas (Skinner, 1969/1980, p. 277). Estas regras possibilitam aos indivíduos evitar uma gama de possibilidades e até mesmo perigos no enfrentamento de um problema, podendo ser também vistas também como construção de estímulos discriminativos.

Ciclo de resolução de problemas

De acordo com a literatura de Sternberg (1994), um ciclo de resolução de problemas pode ser proposto em etapas que visam tanto uma melhor compreensão do fenômeno, quanto a otimização dos processos de organização dos dados disponíveis; dividindo-se em etapas correspondentes ao conjunto de processos de tratamento da informação.

1. Identificação do problema, etapa caracterizada pela análise das cadeias de estímulos adquiridas pelo organismo, e pela comparação destes frente a uma data-base mnemônica de reconhecimento, que aciona as respostas possíveis em, 2. Definição e representação do problema, enquanto conjunto de respostas responsáveis pelo tratamento semântico da informação adquirida.

3. Construção de estratégias, referente ao desenvolvimento de heurísticas; esta etapa, somada as etapas anteriores, corresponde à geração de sistemas de resolução. Respostas, ou séries de respostas destinadas à produção de consequências reforçadoras. De acordo com o efeito do reforço, podem ser empregadas sob dois princípios básicos:

Predominância: procedimento (s) mais amplamente utilizado (s);

Prioridade: procedimento (s) utilizado (s) prioritariamente a outros possíveis. A partir dos quais pode ser constatada a derivação de uma propriedade natural do sistema; a Integração entre as heurísticas possíveis sob o conjunto de resolução do problema, dado que podemos supor que, em maior ou menor grau de complexidade, um problema formulado pode requerer a aplicação de heurísticas distintas para que se forneça uma resolução satisfatória (Sternberg, 2004).

É necessário também, que compreendamos que os princípios básicos podem ser analisados de acordo com critérios relativos à estrutura da heurística. Critérios predominantes e prioritários são obtidos pela amplitude e ordenação das estratégias executadas. A etapa 4. Organização da informação é relativa à ordenação da informação disponibilizada pelo problema, para uma melhor aplicação da etapa 5. Alocação de recursos, referente aos dispositivos de tratamento da informação administrados.

A compreensão geral do funcionamento sistêmico do ciclo de resolução de problemas indica um aspecto particular de suas relações estruturais: a flexibilidade do sistema, – as etapas podem interagir de diversos modos e momentos, com maior ou menor grau de interdependência.

É possível também que, sob uma circunstância qualquer, a ocorrência de uma etapa torne-se facultativa (exceto, as etapas 1 e 2), ou mesmo, não seja apercebida de forma significante pelo indivíduo.

A etapa 6. Monitoração é caracterizada pelo acompanhamento da eficiência das demais etapas, assim como das propriedades de retroalimentação derivadas do comportamento do indivíduo na manutenção do processo de resolução. E, por fim, a etapa 7. Avaliação, sendo a verificação global da eficácia na resolução do problema, executada por cada indivíduo que, de forma análoga à sexta etapa, atende a demanda de acompanhamento dos procedimentos empregados pelos indivíduos.

Considerações finais

Assumimos, pois, uma posição deveras arriscada: assim como em todo diálogo, há sempre a possibilidade, de que, ou se oblitere uma posição em função de outra de forma generalizada, ou se reduza ambas as posições a um todo ineficiente, apenas pela tarefa de "bater para caber". Nenhuma destas possibilidades nos pareceu atraente: procuramos ao máximo, apresentar posições já antes consideradas por seus respectivos aparatos epistemológicos, observando o que de interessante cada uma possui no tocante aos temas objetivados.

No entanto, poderíamos nós considerar a tarefa satisfeita, se não ousássemos o objetivo do diálogo? Pois, ainda que a sentença que se segue, aparente a alguns ser desnecessária, ou mesmo cause a impressão de não ser compreendida de fato; há para nós, algo de excitante nela: O que seria da humanidade sem dança?

Agora, após esclarecido este ponto, voltemos a alguns aspectos de relevância. Ao que tudo indica, o conjunto de funções cognitivas envolvidas na produção da atividade de raciocínio confere a sua classificação o status de totalidade funcional especificada, e esta é produto de uma totalidade mais ampla, devido à integração interdependente com demais categorias de processos cognitivos, tais como a percepção, a memória e o pensamento reflexivo.

Todavia, a interdependência cognitiva pode advir do funcionamento modular derivado da arquitetura neurofisiológica humana, como em Xavier (1993, apud Ades, 1993. In: Souza, 1995):

... a arquitetura cerebral parece estar organizada sob a forma de módulos funcionais capazes de trabalhar cooperativa e independentemente. Esses módulos desempenham suas funções em paralelo. Através do processamento paralelo distribuído é possível que um grande número de unidades de processamento ativadas influencie outras em qualquer momento no tempo, de modo que as informações possam ser analisadas rapidamente (Xavier, 1993, apud Ades, 1993. In: Souza, 1995).

Como supracitado e explicitado, os esquemas heurísticos de reconhecimento e resolução de problemas então considerados; a saber, pattern matchings (parallel matchings) e serial matchings, podem ser compreendidos como comportamento de construção de estímulos discriminativos.

Vale ressaltar que tanto a busca serial (serial matchings) quanto o equivalência paralela (parallel matchings), instituem-se em comparações sistêmicas, convergindo neste ponto. Assim como há uma discussão sobre o que é o insight e se ele é realmente de uma natureza diferente dos processos cognitivos, a mesma discussão poderia ser suscitada quanto aos dois métodos acima, considerando que estes se diferenciam basicamente pela construção de estratégias para redução de amostras a serem consideradas no resolver de um problema. Como já discutimos acima, esta diferença, sob uma visão skinneriana, pode ser traduzida como construção de estímulos discriminativos.

Não obstante, os raciocínios indutivo e dedutivo, podem também ser analisados sob esta ótica, que atenderia ao propósito de constituir uma forma de avaliar o processo que se dá quando estes tipos de raciocínio são utilizados.

Devemos acrescentar que, devido ao caráter de diálogo epistemológico do presente artigo, a discussão apresenta-se de forma não finalista ou reducionista. Contudo, a partir do processo dialógico proposto, consideramos que muito do que a Psicologia Cognitiva construiu sobre o assunto, como as bases epistemológico-conceituais de compreensão do processamento de estímulos, são satisfatoriamente compreendidos por uma análise skinneriana, sem requerer o uso de 'construtos mentalistas'.

Muitos conceitos e ferramentas da Psicologia Cognitiva, entretanto, parecem não ser tão facilmente transponíveis à Análise do Comportamento. A apresentação de como possivelmente se estabeleça a aquisição de repertório para o desenvolvimento das etapas do ciclo de resolução de problemas, proposto por Sternberg, indicam que ainda há o que se produzir em termos de experimentos para a compreensão do fenômeno, e otimização dos procedimentos de análise da informação que é disponibilizada aos e pelos organismos.

A discussão acerca de lógica e semântica pode ser aqui considerada um substrato conceitual que fomenta uma interpretação mais ampla das atividades de raciocínio e resolução de problemas.

Por fim, acreditamos que as considerações teórico-epistemológicas enfocadas neste artigo lançam luz sobre a possibilidade de que duas estruturas teóricas, que sob muitos aspectos, são divergentes, possam contribuir, tanto mutuamente quanto à produção cientifica, para que os processos que constituem a resolução de problemas sejam melhor compreendidos. Abrindo assim, um precedente mais amplo ao fundamento da ciência que preconiza a constante atualização de si própria, muitas vezes possível pela consideração de perspectivas distintas.

Notas

1 - Faculdade, ato ou maneira de raciocinar; encadeamento de argumentos; operação mental, pela qual se deduz de uma ou mais premissas um juízo; ponderação; observação; juízo; razão. (Do lat. Ratiociniu.)

2 - O principio de pregnância, difundido pela epistemologia fenomenológica da Psicologia da Gestalt, preconiza que a informação deva tender ao maior grau de coesão, e ao menor grau de discrepância, para que a melhor configuração seja atingida na interpretação cognitiva de uma estrutura de dados, um formato ou de uma forma específica da própria informação disponibilizada.

3 - Terminologia utilizada por Skinner (1953/1978). Pode ser entendido por meio do conceito de Operação Estabelecedora, conceito criado para compreender o que é considerado como motivação em outras abordagens. Conceito este que não foi postulado por Skinner, mas constitui-se numa tentativa de interpretação de alguns conceitos skinnerianos.

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Sobre os autores

Jeff Emmanuel Costa Firmino é estudante de Graduação em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e bolsista PIVIC/CnPq. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Tullio Cezar de Aguiar Brotto é estudante de Graduação em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e bolsista PIVIC/CnPq. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.