Lenda criada por Alencar, Iracema explica poeticamente as origens de sua terra natal. A 'virgem dos lábios de mel' tornou-se símbolo do Ceará, e o ... Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
Título do artigo:

Iracema

97

por:

[José de Alencar]

Lenda criada por Alencar, Iracema explica poeticamente as origens de sua terra natal.

A 'virgem dos lábios de mel' tornou-se símbolo do Ceará, e o filho, Moacir nascido de seus amores com o colonizador branco Martim representa o primeiro cearense, fruto da integração das duas raças.

Em Iracema, a relação amorosa entre a jovem índia e o fidalgo português Martim, domina toda a obra.

Toda a força poética do livro advém dessa relação amorosa; o demais, a saber, a natureza, a bravura selvagem, a lealdade do índio etc.., são elementos já tratados em O Guarani e posteriormente em Ubirajara. Por outro lado, a ação é reduzidíssima, o que dá ao livro um notável espaço lírico de que se valeu Alencar para escrever sua obra mais poética; A desorientação inicial de Martim, jovem fidalgo português, que se perdera nas matas... O surpreendente encontro com a jovem índia... A hospitalidade do selvagem brasileiro... O ciúme do guerreiro.... O amor entre os representantes das duas raças; Iracema e Martim... A nostalgia de Martim por sua terra natal, suas viagens e a tristeza de Iracema com a mudança inesperada de seu amado... O nascimento de Moacir, filho de dor, e a morte de Iracema... Essa é praticamente a síntese da fábula do livro.

A figura de Martim Soares Moreno é histórica, assim como a de Potí, o índio que o ajuda, conhecido em nossa história como Felipe Camarão.

Resumo

Capa do Livro IracemaIracema, a virgem tabajara consagrada a Tupã, apaixona-se por Martim, guerreiro branco inimigo dos tabajaras. Por esse amor abandona sua tribo, tornando-se esposa do inimigo de seu povo. Quando mais tarde percebe que Martim sente saudades de sua terra e talvez de alguma mulher, começa a sofrer. Nasce-lhe o filho, Moacir, enquanto Martim está lutando em outras regiões. Ao voltar, ele encontra Iracema prestes a morrer. Parte, então com o filho para outras terras.

Destaca-se, nesta obra, a linguagem bem elaborada de Alencar. O estilo é artisticamente simples, procurando recriar a poesia natural da fala indígena, plena de comparações e personificações, o que dá ao livro as características de um verdadeiro poema.

Fragmento

Este capítulo mostra o momento em que Iracema encontra Martim pela primeira vez. Ele estava no Brasil, em missão guerreira [conquistar terras para a Coroa Portuguesa] e perdeu-se nas matas, acabando por chegar nos campos dos tabajaras, a quem ele estava combatendo.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema, da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho: o aljôfar d'água ainda a roreja, como a doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas da garra, as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outra remexe o uru de palha matizado, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro, estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Foi rápido como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.

O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causar.

A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida. Deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.

O guerreiro falou:

- Quebras comigo a flecha da paz?
-Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
- Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
- Bem - vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

Observações sobre a obra

Não é difícil encontrar as fontes principais em que se inspirou Alencar; Iracema é num certo sentido '[não o da imitação, evidentemente]', a transposição de Atala e René, de Chateaubriand, autor que Alencar confessa ter lido bastante. Temos, pois, o caso de uma composição homóloga, pois apresenta vários pontos em comum: O tema da felicidade primitiva vivida pelos selvagens que começa a se corromper diante da primeira aproximação do civilizado; a ideia do bom selvagem, o amor de uma índia por um estrangeiro; a morte das duas heroína, o exótico da paisagem, enfim, nas duas obras há um conflito fundamental representado pela oposição de índole dos dois mundos: o da velha civilização europeia e o Novo mundo da América. 'Conclusão: Não se trata, evidentemente, de levar a crítica a ver em Iracema, uma obra superior a Atala.

O romance de Chateaubriand é, indiscutivelmente, uma joia literária, fruto de uma sensibilidade e de um espírito artístico de eleição. O que pretendo, com o estudo comparativo das duas obras, aqui apenas arquitetado, nos elementos mais importantes, é fazer sentir que, se Alencar utilizou francamente do romance de Chateaubriand, respeitou com rigor os princípios da imitação artística, e realizou uma obra original na sua essencialidade, exigentemente verossímil nos caracteres, no enredo e no drama, primorosa na expressão literária. Iracema é, tanto quanto Atala, uma obra prima da literatura indianista romântica.'