[Fernando Pessoa] Na obra Mensagem, a única em língua portuguesa publicada em vida [1934]. Fernando Pessoa expressa forte sentimento nacionalista, através de uma volta ao passado, numa tentativa de reerguimento português. Referindo-se aos períodos da formação de Portugal, das grandes navegações, de D. Sebas Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
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Mensagem

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[Fernando Pessoa]

Na obra Mensagem, a única em língua portuguesa publicada em vida [1934]. Fernando Pessoa expressa forte sentimento nacionalista, através de uma volta ao passado, numa tentativa de reerguimento português.

Referindo-se aos períodos da formação de Portugal, das grandes navegações, de D. Sebastião, o autor tenta celebrar a grandeza de seu país. Apesar do cunho saudosista-nacionalista, a obra, elaborada em linguagem arcaica, apresenta acabamento formal perfeito.

Mensagem: poesia épico-irônica e lírica - épica porque se volta para celebração heróica de mitos coletivos [ os grandes eventos e os heróis da história portuguesa], irônica porque essa celebração é feita sob o signo da irrealidade e da loucura [o que é celebrado não é o Portugal real mas o fantástico, produto da demência de seus grandes heróis], e lírica porque nos poemas sempre se exprime um eu, que pode ser o poeta ou alguma de suas personagens. Dom Sebastião, uma das grandes figuras da história portuguesa, é bem o símbolo da loucura enaltecida pelo poeta:

D. Sebastião, rei de Portugal

Louco, sim. Louco porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia.
Cadáver adiado que procria?

O Mostrengo*
[Em Mensagem, II parte]

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar, E disse,
'Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?'
E o homem do leme disse, tremendo,
'El-Rei D. João Segundo!'

'De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?'
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou imundo e grosso,
'Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?'
E o homem do leme tremeu, e disse,
'El-Rei D. João Segundo!'

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer trez vezes,
'Aqui ao leme sou mais do que eu;
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!'

*mostrengo: variante de monstrengo.

El-Rei Dom João Segundo: rei de Portugal no período de 1481 a 1495. Seu reinado foi caracterizado por duas ações fundamentais: internamente, consolidou a centralização do poder; externamente, foi o responsável pelo plano de expansão marítima que levaria Portugal ao Oriente. Nesse plano de expansão marítima, o principal ponto era descobrir um caminho que levasse às Índias e a suas especiarias. Várias expedições foram enviadas para o 'fim do mar', isto é o extremo sul do Atlântico, em busca dos limites da África. Foi também no governo de D. João II que o Tratado de Tordesilhas - que dividia a Terra em duas des: uma para Castela [Espanha] e outra para Portugal 0- foi assinado em 1494.

Os custos da aventura marítima, em vidas e sofrimentos, são tocantemente lembrados num poema de que dois versos [os primeiros da segunda estrofe] se tornaram célebres e hoje soam quase como ditado da sabedoria tradicional:

Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram.
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosse nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem de passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu.
Mas nele é que espelhou o céu.

Resumindo:

Mensagem é um livro estruturado em três partes: Brasão; Mar Português e O Encoberto.
Ao todo, são 44 poemas mais ou menos curtos, que constituem uma epopéia fragmentária, sem unidade narrativa.

Há fusão dos gêneros épico e lírico: a celebração de mitos, lendas, feitos e vultos de heróis lusitanos, próprios do gênero épico, realiza-se através de poemas em primeira pessoa, de intensa subjetividade, como é próprio do gênero lírico.

Mensagem é um livro simbólico. Nele, imagens herméticas, de fundo esotérico, mobilizam-se para expressão do nacionalismo místico do autor.

Mensagem contém uma visão messiânica sobre o destino de Portugal: o rei D. Sebastião [sebastianismo] voltaria para tirar o país da decadência em que mergulhou desde seu desaparecimento, Alcácer Quibir [1578], e reconduzi-lo à glória [o mito do Quinto Império].

A intertextualidade entre Mensagem e Os Lusíadas é frequente: Fernando Pessoa retoma episódios e motivos da epopéia camoniana e o revista na forma de paródias sérias.

Quanto à linguagem, os poemas de Mensagem oscilam entre o equilíbrio clássico e a sinuosidade barroca.