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O Bom Crioulo

97

por:

[adolfo caminha]

Análise Crítica da Obra

Os aspectos cruéis de uma fria realidade. Considerado um dos mais perfeitos exemplos do Naturalismo nas letras brasileiras, O Bom Crioulo em tudo defende a tese determinista, segundo a qual o homem deve ser retratado dentro de um ambiente pernicioso e podre, decorrendo daí seu caráter enfraquecido e perverso, sua falta de travas morais, sua perversão, principalmente sexual, causadora de sequelas irreversíveis como a bestialização, a insanidade mental, a histeria ou a degradação.Nesse romance, pela primeira vez na Literatura Brasileira, é tratado o tema do homossexualismo, tendo como foco a vida dos marinheiros, retratada, às vezes, com requintes descritivos que chegam às raias da fotografia.

Narrado em terceira pessoa, esse romance, datado de 1895, tem como protagonista o jovem Amaro, negro escravo, homem forte e de boa índole, mas de espírito fraco que foge da escravidão e se embrenha na Marinha. Aí conhece Aleixo, grumete que atrai o bom crioulo por ser exatamente o oposto, branco e frágil. A narrativa transcorre linear, e gradativamente o autor deixa o leitor conhecer um vasto painel dos fatos que envolvem o caso amoroso de Aleixo e Amaro. No entanto, Aleixo também é o ponto máximo do amor da portuguesa Carolina, prostituta, mulher excessivamente carente, que nunca havia conhecido o amor desinteressado e é atraída pelo espírito infantil do rapaz branco, pelos olhos azuis e puros. Na terra, envolve-o pelo amor carnal e passa a ser sua amante, mãe, amiga e transpõe para Aleixo todo seu coração reprimido pelas cruezas da vida, ama-o como mulher e como mãe, uma vez que ela não tivera a oportunidade de gerar filhos. O ciúme interfere nesse singular triângulo amoroso, fazendo Amaro agir irracionalmente, como um animal diante do instinto selvagem, destruindo a sua única razão de ser e de viver.

Ambientado preferencialmente no mar, o romance de Adolfo Caminha é a síntese da perversão sexual, descrita de modo ousado e chocante com a arte e a técnica de um artista que soube captar com fidelidade os aspectos cruéis de uma fria realidade.

A narrativa concisa, além da elaboração da linguagem, são elementos que conferem a Bom-Crioulo um lugar de destaque em nossa literatura. No entanto, seu maior mérito é conseguir alargar nosso campo de visão, primeiro por mostrar que o Naturalismo não está só nas mãos de Aluísio Azevedo. Em segundo lugar, por possibilitar uma discussão interessante no que se refere ao Determinismo e como o homem age em relação ao seu destino.

À primeira vista, esse debate poderia ser inspirado pelo que mais chama a atenção em sua história: o homossexualismo. No entanto, o autor não resvala por dois dos aspectos mais comuns desse assunto. Não há a questão de se levantar ou se esconder a bandeira da condição sexual. Além disso, não há a crise de identidade tão comum em tantas obras de mesma temática. Muito pelo contrário a descoberta da preferência sexual deu ao protagonista mais força de viver.

Cabe aqui uma observação. Constantemente se diz que o homossexualismo é tratado nessa obra de forma crua e imparcial. De fato, o primeiro adjetivo pode estar correto, pois o sexo, na obra, faz-se de forma carnal, não havendo sublimação, o que é típico do Naturalismo, escola que apresenta o homem como animalizado, prisioneiro dos próprios instintos. No entanto, imparcialidade é um conceito questionável, pois a maneira como o narrador se refere aos atos íntimos de suas personagens atentado contra a natureza por si constitui um juízo negativo de valor.

No entanto, o homossexualismo não é a pedra de toque do romance, mas uma ponte para que se reflita sobre algo maior: até que ponto somos livres para decidir sobre nossa vida? Praticamente tudo na narrativa inspira essa questão. De início, deve-se lembrar que Amaro, personagem principal, é escravo fugido. Quer ser dono de seu próprio destino. Até que num golpe de sorte (nem lhe perguntam sua procedência) é aceito como marinheiro, o que ampliará os horizontes. A possibilidade de viajar, conhecer mundo, faz com que alcance sua bemaventurança, tanto que recebe o apelido de Bom-Crioulo , graças à sua benevolência que contrasta com seu porte físico sempre descrito, é importante notar, como algo olímpico, superior ao físico dos brancos.

No entanto, a disciplina a que está submetido é outra prisão, que só vai ser percebida quando o protagonista conhece Aleixo, adolescente que trabalha como grumete na mesma corveta em que está Amaro.

Interessante é ter em mente que o protagonista ganha identidade graças ao outro. Entende por que suas duas experiências com mulheres foram fracassadas.

Entende o que é ao descobrir do que gosta, o que o faz desencantar-se do meio em que está. Deixa de ser o marinheiro submisso. Tanto que o livro inicia-se com o relato das chibatadas que Amaro recebeu, justo por ter arranjado briga em defesa do menino. Detalhe: com essa técnica de sedução, o que Amaro consegue é mais gratidão do que amor.

Com a necessidade de reforma da corveta em que trabalham, os dois marinheiros são autorizados a descer no Rio de Janeiro. Amaro arranja um quarto na pensão de D.Carolina, antiga prostituta e que também colhe pelo protagonista uma enorme gratidão ele a havia salvado de uma tentativa de assalto. Revela-se, mais uma vez, o espírito bondoso do Bom-Crioulo.

Aqui cabe mais uma observação. Não há reprovação nenhuma por parte da mulher quanto ao relacionamento que vê diante de si, ainda mais por Amaro ter mais de 30 e Aleixo pouco mais de 15. Ela entra no mesmo esquema do livro: não faz julgamentos nítidos.

Tudo se passa meio torto, pela observação tangencial, indireta, do narrador sobre o que outras personagens falam. As questões morais não estão no cerne da obra. Esse mesmo toque tangente é visto no que se refere a sexo. Tem-se a coragem pelo menos para os padrões da época de se citar o que está ocorrendo, mas na hora de relatar, descrever, narrar o que de fato acontece, corre-se uma cortina de reticências.

Enfim, é criada uma estabilidade matrimonial efêmera. É digno de nota o que acontece entre os dois, quando se fecham no sujo quartinho de pensão. Amaro mais se delicia em admira o corpo do seu amado do que com o prazer sexual. Parece que o menino, além de dar ao protagonista identidade, dá também um sublime senso estético, ou algo próximo disso. É uma evolução, de certa forma.

Como já se disse, o equilíbrio da união é temporário. Em primeiro lugar, já se notam indícios de que não há amor, ou mesmo atração, mas gratidão de Aleixo por Amaro. Talvez isso justifique a impaciência do menino com a rotina do Bom-Crioulo admirar seu corpinho branco.

Além disso, Amaro é transferido de navio, cujo capitão, extremamente rígido, só lhe dá folga uma vez por semana, ocasionando horários desencontrados entre os amantes não se vêem mais, pois. E, para piorar, D. Carolina determina, como último capricho de senhora, seduzir o rapazinho, no que é vitoriosa. Estabelece-se, dessa forma, o mais estranho triângulo amoroso de nossa literatura, pois o elemento desestabilizador é uma mulher, que rompe justo a união de dois homens.

Insatisfeito, Amaro chega a beber, o que altera sua personalidade é o único ingrediente que o faz radicalmente deixar de ser o Bom-Crioulo. Desequilibrado, arranja confusão e por causa disso recebe uma quantidade inominável de chibatadas. Baixa, portanto, a um hospitalprisão, em que mergulha no tédio da recuperação e do abandono. Chega a mandar um bilhete, pedindo a visita de seu amado, mas D.Carolina inutiliza-o.

Solitário e frustrado, Amaro começa a ficar inquieto quando sabe, por meio de um companheiro que passa pelo hospital, que Aleixo estava de caso novo. Realiza, pois, mais uma fuga sempre o tema da busca da liberdade em direção da pensão. No caminho, a verdade é completada, o que o deixa mais furibundo, aspecto que se agrava pelo fato de já estar bebendo.

Então, o desfecho. De forma extremamente rápida, em meio à multidão, Amaro encontra Aleixo, mata-o e acaba sendo levado preso. O interessante é observar, neste momento, a movimentação da coletividade, acompanhando com curiosidade sórdida a cena para depois cair na apatia. Uma tragédia que mergulhava na anestesia do esquecimento.

Características naturalistas encontradas no livro: A causa dos problemas são fatores naturais (meio raça momento); O determinismo expressa-se no romance de forma clara e evidente, conduzindo seus personagens ao destino que lhes pertence.

Analisando os personagens centrais da história, vemos que:

Amaro De raça negra, era escravo em uma fazenda, e nesta época, o momento não o ajudava, pois, o Brasil ainda era um país adepto da escravatura.

Sendo negro, não tinha chances de obter uma promoção na marinha, além é claro, de cargos em que a força física é superior.

Condenado por sua raça, Amaro via-se em um meio miserável, primeiro a caravela onde servia, com pessoas também na miséria, baixa qualidade de vida...

Em terra o que sobrava para Amaro, eram lugares baixos, vis e nojentos, povoados por pessoas sem escrúpulos, prostitutas e mendigos.

No mar esses fatores, principalmente o meio, levaram-no a caminhar em direção ao homossexualismo. E que para ele, um caminho sem volta.

Aleixo De raça branca, não o impediu de conviver num meio deprimente. Sendo ingênuo, e a isso seu momento não era favorável, pois ainda moço, desconhecia as maldades da vida.

Influenciado pela "esperteza" de Bom-Crioulo, foi levado para o Homossexualismo. Nota-se que o assunto era tratado com naturalidade pelas pessoas que conviviam naquele meio.

Por ser o oposto de Bom-Crioulo, Aleixo, distante dele, consegue livrar-se do homossexualismo, e mantêm uma relação amorosa com uma mulher, assim que muda, um pouco de meio. Então, suas atitudes eram decorrentes do meio, tratado como um deslize, e longe do meio em que estava, mudara.

Conclui-se que, o determinismo, era favorável para Aleixo e completamente desfavorável para Amaro.

Visão cientificista do Homem: Homem ligado ao animal, guiado por instintos, comparando-o com animais, dando-lhes qualidades dos mesmos.

Sempre comparando o homem com um animal, o romance segue a risca este pensamento.

Amaro domina Aleixo em todo o livro, associando que: o mais forte domina o mais fraco. E assim é e, toda obra.

Outro fator, é que, os personagens são movidos por instintos incontroláveis, que regem suas vidas, como animais que agem por instintos, quando encurralados, atacados, etc.

O homem é comparado ao animal em suas ações, prevalecendo o instinto à razão.

"Era incrível aquilo! A mulher só faltava urrar!" (pág. 47) "Trabalhara brutalmente; não havia resistir à fadiga. Momentos há em que os próprios animais caem extenuados ..." (pág. 33) Não faz seleção do que vai falar: O narrador não seleciona um assunto determinado, nem segue uma rota para sua narrativa, vai descrevendo e narrando os fatos, contando fatos sem muita importância.

Enfoca a classe miserável: Os personagens, a linguagem, o local, a cultura, tudo gira em torno de um meio miserável.

"As unhas metiam náusea, muito quilotadas de alcatrão, desleixadas mesmo. Triste figura essa, cujo aspecto deixava uma impressão desagradável e persistente. (pág.12) Intenção de analisar a patologia social: Estudos dos vícios da sociedade.

"Junto aos presos equilibrava-se um homem de grande estatura, largo e reforçado, tipo de caboclo nascido no Amazonas, trajando fardeta e boné e segurando com ambas as mãos, sobre o joelho em, descanso, o instrumento de castigo: era o guardião Agostinho o célebre guardião Agostinho, especialista consumado no ofício de aplicar a chibata, o mais robusto e valente de todos os guardiães, e cujo zelo em cousas de "patescaria" tornara-se proverbial." (pág. 12) Psicopatologia: Trata-se do estudo das doenças psicológicas humanas (taras, vícios, etc. ). Expressada no livro de várias formas, destacando:

A tara em que o carrasco tinha em chicotear aqueles que sofriam a punição.

O principal exemplo, ocorre com os personagens centrais da história, o homossexualismo, onde Amaro é impulsionado pelo seu instinto e por forças incontroláveis quando estava diante de Aleixo.

O narrador interessa-se por fatores patológicos: Tenta provar e analisar a patologia humana.

"D. Carolina era uma portuguesa que alugava quartos na Rua da Misericórdia somente a pessoas de "certa ordem", gente que não se fizesse de muito honrada e de muito boa, isso mesmo rapazes de confiança, bons inquilinos, patrícios, amigos velhos... Não fazia questão de cor e tampouco se importava com a classe ou profissão do sujeito. Marinheiro, soldado, embarcadiço, caixeiro de venda, tudo era a mesmíssima cousa: o tratamento que lhe fosse possível dar a um inquilino, dava-o do mesmo modo aos outros.

Vivia de sua casa, de seus cômodos, do aluguelzinho por mês, ou por hora. Tinha o seu homem, lá isso pra que negar? Mas, independente dele e de outros arranjos que pudesse fazer, precisava ir ganhando a vida com um emprego certo, um emprego mais ou menos rendoso para garantia do futuro. Isso de homens não há que fiar: hoje com Deus, amanhã com o diabo Quando moça, tinha seus vinte anos, abrira casa na Rua da Lampadosa. Bom tempo! O dinheiro entrava-lhe pela porta em jorros como a luz do dia, sem ela se incomodar. Uma fortuna de ouro e brilhante! Já era gorducha, então: chamavam-na Carola Bunda, um apelido de mau gosto, invenção da rua..

Depois esteve muito doente, saíram-lhe feridas pelo corpo, julgou não escapar. E, como tudo passa, ela nunca mais pôde reerguer-se, chegando, por desgraça, ao ponto de empenhar joias e tudo, porque ninguém a procurava, porque ninguém a queria - pobre cadela sem dono... Passou misérias! até quis entrar para um teatro como qualquer cousa, como criada mesmo. Foi nessa época, num dia de carnaval (lembrava-se bem!), que começou a melhorar de sorte. Um clubezinho pagou-lhe alguns mil-réis para ela fazer de Vênus, no alto de um carro triunfal. Foi um escândalo, um "sucesso": atiraram-lhe flores, deram-lhe vivas, muita palma, presentes - o diabo! Durante quase um ano só se falou na Carola, nas pernas da Carola, na portuguesa da Rua do Núncio." (pág35) "Ele ali se achava também, no seu posto, à espera de um sinal para descarregar a chibata, implacavelmente, sobre a vítima. Sentia um prazer especial naquilo, que diabo! cada qual tem a sua mania ..." (pág. 13) Denunciar a degradação humana:Mostra a queda moral e social humana.

"Por vezes tinha querido sondar o ânimo do grumete, procurando convencê-lo, estimulando-lhe o organismo; mas o pequeno fazia-se esquerdo, repelindo brandamente, com jeitos de namorada, certos carinhos do negro. Deixe disso, Bom-Crioulo, porte-se sério! Nesse dia Priapo jurou chegar ao cabo da luta. Ou vencer ou morrer! - Ou o pequeno se resolvia ou estavam desfeitas as relações.

As nove horas, quando Bom-Crioulo viu Aleixo descer, agarrou a maca e precipitou-se no encalço do pequeno. Foi justamente quando o viram passar com a trouxa debaixo do braço, esgueirando-se felinamente. . .

Uma vez lado a lado com o grumete, sentindo-lhe o calor do, corpo roliço, a branda tepidez daquela carne desejada e virgem de contatos impuros, um apetite selvagem cortou a palavra ao negro. Claridade não chegava sequer á meia distância do esconderijo onde eles tinham se refugiado. Não se viam um ao outro: sentiam-se, adivinhavam-se por baixo dos cobertores.

Depois de um silêncio cauteloso e rápido, Bom- Crioulo, conchegando-se ao grumete, disse-lhe qualquer cousa no ouvido. Aleixo conservou-se imóvel, sem respirar.

Encolhido, as pálpebras cerrando-se instintivamente de sono, ouvindo, com o ouvido pegado ao convés, o marulhar das ondas na proa, não teve ânimo de murmurar uma palavra.

...

Uma sensação de ventura infinita espalhava-se-lhe em todo o corpo. Começava a sentir no próprio sangue impulsos nunca experimentados, uma como vontade ingênita de ceder aos caprichos do negro, de abandonarse- lhe para o que ele quisesse - uma vaga distensão dos nervos, um prurido de passividade. . .

- Ande logo! murmurou apressadamente, voltando-se.

E consumou-se o delito contra a natureza." (pág. 30)

O romance gira em torna da relação instintiva homem mulher: No livro, Aleixo é visto por Amaro como uma mulher, inclusive o narrador, refere-se a ele como uma mulher que desperta atração em Amaro.

"Gabando-se de conhecer "o mundo", Bom-Crioulo cuidou primeiro em lisonjear a vaidade de Aleixo, dando-lhe um espelhinho barato que comprara no Rio de Janeiro "para que ele visse quanto era bonito". pequeno mirou-se e... sorriu, baixando o olhar.

Que bonito o quê!... Uma cara de carneiro mocho! - Mas não abandonou o trastezinho, guardando-o com zelo no fundo da trincheira, como quem guarda um objeto querido, uma preciosidade rara, e todas as manhãs ia ver-se, deitando a língua fora, examinando-se cuidadosamente, depois de ter lavado o rosto.

...

E a camisa! - Oh, a camisa devia ser um bocadinho aberta para mostrar a debaixo, a de meia. O hábito faz o monge. O grumete aceitava tudo com um ar filial, sem procurar a razão de todo esse esmero. Via marinheiros imundos, mal vestidos, cheirando a suor, mas eram poucos. Havia os que até usavam essências no lenço e óleo no cabelo.

No fim de alguns dias Aleixo estava outro e Bom- Crioulo contemplava-o com esse orgulho de mestre que assiste ao desenvolvimento do discípulo.

Um belo domingo, em que todos deviam se apresentar com uniforme branco, segundo a tabela, o grumete foi o último a subir para a mostra. Vinha irrepreensível na sua toilette de sol, a gola azul dura de goma, calças boca-de-sino, boné de um lado, coturnos lustrosos.

Bom-Crioulo, que já estava em cima, na tolda, assim que o viu naquela pompa, ficou deslumbrado e por um triz esteve fazendo uma asneira. Seu desejo era abraçar o pequeno, ali na presença da guarnição, devorá-lo de beijos, esmagá-lo de carícias debaixo do seu corpo.

- Sim senhor! Parecia uma menina com aquele traje. Estava mesmo apto! Então o espelhinho sempre servira, hein? E com um gesto rápido, nervoso, disfarçando a concupiscência:

- Bonitmho! O pequeno, longe de se amuar com o gracejo, mirou-se d'alto a baixo, risonho, deu um muxoxo e seguiu para a forma sem dizer palavra." (pág. 24) Aspectos formais, linguagem vulgar, grotesca e repugnante: " ... que os pariu!" Personagem anti-herói, indivíduo cujo comportamento é dominado por forças incontroláveis.

Amaro, força física em contraste com sua fraqueza moral, seu comportamento dominado por forças incontroláveis. Ele faz suas vontades utilizando suas impressões físicas que causam intimidação.

"Bom-Crioulo começou a frequentar o sobradinho, onde iam outros marinheiros, e daí a grande amizade da portuguesa por ele, não que houvesse outra intenção: ela sabia que o negro não era homem para mulheres ..." (pág.36) "Muita cautela com Amaro (Bom-Crioulo). É um praça irrepreensível quando não bebe, mas em chupando seu copito, guarda debaixo! Faz um salseiro dos diabos."(pág. 48) Homossexualismo como tema: um inusitado triângulo amoroso A originalidade de Bom-Crioulo se manifesta no triângulo amoroso sobre o qual se sustenta.

Tradicionalmente, um triângulo amoroso é composto por dois homens em luta por uma mulher, ou duas mulheres que disputam o mesmo homem. Em Bom-Crioulo, Amaro e Aleixo são marinheiros e, acima de tudo, como tal se comportam, favorecendo a anulação das diferenças étnicas, que se dá não pela ascensão do negro fugido, mas pelo rebaixamento de ambos à condição de prisioneiros do mesmo sistema e do vício . Por fim, o terceiro do triângulo é uma mulher que atua como homem, pois conquista Aleixo em vez de ser conquistada. O triângulo altera substancialmente a função dos participantes, mas respeitando as leis de verossimilhança. Ou seja, o insólito reside na novidade do triângulo e não em sua falta de veracidade: mais uma vez, Adolfo Caminha colhe ao vivo, de sua experiência como oficial da marinha, o material do romance.

Manifesta na macroestrutura do triângulo amoroso, bem como nos ingredientes, a lei da verossimilhança ainda se impõe na construção do romance.

O Bom-Crioulo se fragmenta em três partes: a preparação, que ocupa os nove capítulos iniciais, o anticlímax, nos episódios subsequentes e o desenlace ou clímax no último.

Escrita em câmera-lenta, comum aos romances naturalistas, visto que a tese adotada reclamava a disposição silogística da narrativa, figurando os primeiros capítulos como premissas da conclusão que deflagra no episódio final.

O tema do romance, o homossexualismo, manifesto na construção do triângulo amoroso, é tratado com crueza e sem nenhum indício de preconceito pelo escritor naturalista, que vê no vício um objeto de estudo que deve ser esclarecido e compreendido: Nunca se apercebera de semelhante anomalia, nunca em sua vida tivera a lembrança de perscrutar suas tendências em matéria de sexualidade. As mulheres o desarmavam para os combates do amor, é certo, mas também não concebia, por forma alguma, esse comércio grosseiro entre indivíduos do mesmo sexo; entretanto, quem diria! O fato passava-se agora consigo próprio, sem premeditação, inesperadamente. E o mais interessante é que aquilo ameaçava ir longe para mal de seus pecados...

Não havia jeito senão ter paciência, uma vez que a natureza impunha-lhe esse castigo.

Afinal de contas era homem, tinha suas necessidades, como qualquer outro: fizera muito em conservar-se virgem té os trinta anos, passando vergonhas que ninguém acreditava, sendo muitas vezes obrigado a cometer excessos que os médicos proíbem. De qualquer modo estava justificado perante sua consciência, tanto mais quanto havia exemplos ali mesmo a bordo, para não falar em certo oficial de que se diziam cousas medonhas no tocante à vida particular. Se os brancos faziam, quanto mais os negros! É que nem todos têm força para resistir: a natureza pode mais que a vontade humana...

O homossexualismo, encarado no romance como vício ou perversão, é tratado, portanto, através de um olhar naturalista e, consequentemente, limitado: não há o enfoque mais subjetivo dos sentimentos despertados; não há autonomia do caráter: as personagens estão acorrentadas às leis deterministas (não há drama de consciência ou mesmo drama moral). Há uma resposta mecânica, instintiva aos fatos e, nesse sentido, o livro perde um lado da questão, o que não esmaece sua força e valor literário.

Por tratar de um tema tão forte como o homossexualismo, sobretudo em sua época, alguns críticos consideraram esse livro de Adolfo Caminha uma defesa da causa homossexual; outros viram o contrário. No entanto, o narrador se mantém na posição de observador: não defende, nem condena. Mais do que isso, o livro também possui um forte caráter de denúncia sobre um ambiente cruel e brutal que homens enfrentavam na Marinha - ambiente que Caminha conheceu bem. Também há uma forte denúncia social, pois retrata um trecho da vida urbana do Rio de Janeiro e a vida miserável de seus habitantes excluídos por uma estrutura social perversa. Em suma, o livro discute, acima de tudo, a questão da liberdade de homens presos por correntes invisíveis, fruto do meio em que vivem, de seu momento histórico e de suas tendências físicas e morais. A falta de liberdade não será só social, mas também biológica, conforme diziam as correntes deterministas em vigor nessa época. Daí o tom de pessimismo que há no livro: não há saída possível das mazelas humanas.

Elaboração: Equipe Aprovação Vest