[Jorge Amado]I- Resumo A narrativa de Tocaia Grande nos leva para o nordeste dos jagunços e coronéis. Da religiosidade e misticismos. Das mulheres-d... Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
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Tocaia Grande

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[Jorge Amado]

I- Resumo

A narrativa de Tocaia Grande nos leva para o nordeste dos jagunços e coronéis. Da religiosidade e misticismos. Das mulheres-damas e esposas atreladas aos desígnios de seus senhores. Dos plantadores de cacau.

Enfim, Tocaia Grande é a saga do jagunço Natário da Fonseca, caboclo de feições carrancudas que serve ao coronel Boaventura, livrando-o de emboscadas e tocaias, em questões de posse de terras do sertão devoluto. Por ser um empregado honesto e leal, será mercador de um pedaço de terra nos confins-do-judas do sertão nordestino.

A narrativa inicia-se quando o jagunço Notário, ao arquitetar uma emboscada, por problemas políticos, a inimigos do coronel Boaventura, delimita a localização e a posição dos jagunços pedindo ao coronel que lhe faça o favor de deixá-lo tomar um pedaço de terras nas cercanias; pois o caboclo tem a intenção de plantar pequena roça de cacau, para poder, no futuro, ser dono do seu próprio nariz, com o empenho da palavra que sempre servirá ao coronel, pois ele que lhe deu guarida quando apareceu naquelas bandas, foragido de outra cidade. Em resposta o coronel lhe diz que só não lhe permitirá que posse das terras como o fará capitão.

Após a tocaia dos inimigos, com vitória do capitão Natário, este domina o lugar de Tocaia Grande.

Com o passar dos tempos, afluem para a localidade de Tocaia Grande um turco de nome Fadul Abdala, que logo abriu um pequeno comércio para venda de cachaça, rapaduras, farinha,... e algumas mulheres-damas para o deleite dos tropeiros que começaram a fazer de Tocaia Grande cominho de passagem em suas idas e vindas, o que transformou o lugar em lugar de pernoite.

E Tocaia Grande começa a crescer: de lugar de pernoite, passa a arruado, a lugarejo, a arraial, a povoado, a cidadela e a cidade de Irisópolis. Mas, para chegar a cada posto teve de enfrentar de tudo um pouco: enchentes, peste, e a tocaia maior contra o povo tocaiagrandense, a mando do filho do coronel Boaventura, para satisfazer os caprichos de uma russa com ares de madame, porém que não passava de uma bisca sem vergonha.

No desenrolar da narrativa vamos topando com Castor Abdium, mais conhecido por Tião, que vai dar em Tocaia Grande por estar sendo perseguido pelos homens do Barão, sendo ao qual servia, mas por ter traçado a esposa e a empregada predileta deste e o mesmo ter presenciado tal descaramento, se põe em fuga; Bernarda, afilhada do Capitão Natário que após a morte de sua mãe, depois de ter sido estuprada e seviciada pelo pai, foge para as paragens de Tocaia Grande, tornando-se amante do Capitão Natário, com o qual tem um filho, além de continuar na labuta como prostituta. Jacinta Coroca que passa da condição de velha prostituta a parteira; uma família de sergipanos que expulsos da fazenda onde moravam e eram agregados, se põem na estrada em busca de melhor lugar para viverem; no caminho topam com o Capitão Natário que lhes fala de Tocaia Grande e lhes diz que lá eles serão donos de suas terras. Ninguém mandará neles, muito menos os expulsarão. Nesta família de sergipanos encontramos Diva, menina que ao transformar-se em moça acaba sendo motivo de apostas em Tocaia Grande, pois tem dois pretendentes: Tição, negro ferreiro e Bastião da Rosa, carpinteiro loiro de olhos azuis. É com Tição que Diva se amasia e tem um filho.

Em Tocaia Grande quem se gosta se amasia, pois o lugar não tem igreja, não tem padre. É um porto livre dos tabus e moralidades da sociedade. As coisas acontecem de acordo com as conveniências e necessidades.

Outro personagem a destacar é Zilda, esposa do Capitão Natário, que tem com ele dois filhos, e outros tantos que recolhe e cria como se fossem seus. Todos tinham cara de Natário.

O primeiro incidente que ocorreu no lugar foi o assalto à bodega do turco Fadul; enquanto este houvera se ausentado para comprar mercadorias em Itabuna e colocar novidades em dia. Ao regressar, sabe do saque e se desilude com seus companheiros, que nada fizeram para impedir o ocorrido. A se ressaltar que os mesmo nada fizeram devido à fama dos saqueadores: jagunços impiedosos. Fadul amaldiçoa tudo e todos e culpa seu deus - dos maronitas - por não ter protegido seu negócio dos vândalos inconsequentes que por não terem achado o dinheiro que pensavam ter o turco escondido na venda, quebram, estragam e põem fogo nos pertences, como forma de reprimenda, prometendo voltar quando o proprietário estivesse no recinto, pois só assim teriam certeza que o assalto seria bem sucedido.

Numa visita do Capitão Natário, ao lugarejo, este conversa com o amigo Fadul; entretanto não há demonstrações de se importar com o ocorrido. Quando está indo embora, antes de esporear o cavalo, informa Fadul que já sabia do saque o que também já tinha resolvido a pendenga, dando cabo dos jagunços, pois aqueles eram bichos ruins, não tinham préstimo nenhum.

O segundo acontecimento memorável foi a enchente que dizimou a localidade, levando em suas águas lamacentas a vida de cão, adolescente lerda das ideias e de Cícero, representante de uma das principais casas exportadoras de cacau, que adorava traçar empregadas das fazendas e mocinhas recém-defloradas, pois só assim tinha certeza que não pegava doenças de puteiros; e a cadela oferecida, presente de Zilda a Tição, para amenizar a solidão de Alma penada, cachorro vira-latas que apareceu sem mais nem menos na casa do ferreiro.

O terceiro grave, porém não pior, foi a peste negra que se abateu sobre a população de Tocaia Grande, levando consigo nove vidas, deixando a sua pequena população em polvorosa, o que levou muitos a arribar para outros lugares. Os que ficaram foi por teimosia e por não terem para onde ir.

Quarto acontecimento, de alegrias, pois Tocaia Grande também teve seus dias de glórias e felicidades, foi à festa de reisado promovido por sai Leocádia, estancieira adentrada em anos, mas que nem por isso desanimava. Era uma das mais alegres do lugar. Transformou o seu reisado [variante do nosso boi-de-mamão], num acontecido de alegrias. Da festa nasceu namorados e amasiados, por conta da felicidade da comemoração.

Coronel Boaventura morre e pede a Natário um único favor: que se encarregue da moça Sacramento, derradeira alegria do Coronel, encaminhando-a da melhor forma possível.

Com a morte do Coronel, seu filho Boaventurinha é obrigado a largar de sua boa vida na Europa, regressar para casa, assumir as finanças e a política deixadas pelo pai. Ao saber que o Capitão Natário não irá mais lhe assessorar, pois o seu compromisso era com o pai e com a morte dele cessou suas obrigações, se revolta e vai à cata de vingança. Assim que chega à Itabuna, trazendo com suas bagagens a russa que encontrou em casas noturnas em Paris e o irmão desta, leva estes a uma visita de reconhecimento pela cidade de Itabuna, Ilhéus e ao povoado de Tocaia Grande. A russa fica maravilhada com tudo o que vê e pensa ser aquelas maravilhas, de propriedade de Venturinha. Pensando assim, pede-lhe que este lhe dê Tocaia Grande como forma de agrado e reconhecimento por toda a felicidade que lhe proporcionou.

Neste ínterim chega a Tocaia Grande a Santa Missão, composta por dois freis, com o intuito de redimir aquele antro de pecado e pecaminosidade. Os dois, apesar dos esforços, e do bom palavrear passam por Tocaia Grande deixando tão somente a legalidade dos amasiados, transformando-os em casados, nos conformes da lei de Deus, o batismo dos pagãos e o Cruzeiro, local destas cerimônias.

Em Itabuna as coisas começam a ferver. Começa a arribar para lá jagunços dos mais temidos das localidades e redondezas, com o intuito de tocaiar os tocaiagrandenses.

As más notícias chegam aos ouvidos do Capitão Natário. Reúne, aos poucos, sua gente, dizendo que ninguém é obrigado a ficar. Os que quiserem ir embora podem ir, para regressarem quando acharem mais conveniente. E muitos vão embora. Na noite de tocaia, sem o saber, o Capitão Natário encontra-se com sua amante e afilhada Bernarda - já havia encaminhado sua esposa, Zilda e os filhos, os seus e os recolhidos, até o de Bernardas, para a casa da roça - quando adentra casa afora um capanga que dispara um tiro, porém Bernarda se interpõe entre a bala e o Capitão Natário, vindo a morrer em seguida, nos braços do único homem que amou, conforme havia profeciado uma cigana em outras datas. O capanga é morto por Sigismundo, cão de guarda do Coronel Boaventura, quando este vivia. Ao escutar num cabaré, em Itabuna, um jagunço mencionar que quem mataria Natário seria ele e não outro, se pôs nos enlaços deste vindo dar no ocorrido.

Capitão Natário mandou espalhar o boato, em Itabuna e redondezas, que estava morto. Os outros jagunços se puseram em marcha para Tocaia Grande com o propósito de acabar com todos e com tudo que se interpusesse nos seus caminhos. A maioria da população morre. Natário e Jacinta Coroca, no outeiro do Capitão armaram emboscada para os mandantes daquela desgraça:

'No vislumbre da lua cheia cravada sobre a terra violada, sobre o rio assassinado, sobre a morte desatada, na hora da meio-noite, junto ao pé de mulungu, no alto do outeiro do Capitão, Jacinta Coroca e Natário da Fonseca, ela com a repetição, ele com o parabelo, na tocaia, usufruíram a beleza da paisagem. Lá embaixo, jazia Tocaia Grande ocupada pelos jagunços e pelos cabras da briosa...

Chegou até eles o tropel da comitiva dos notáveis. Vinham da desolação. Vinham da desolação da Baixa dos Sapos: nas choças abandonadas pelas raparigas, os jagunços haviam-se entrincheirados, [...] na casa de madeira, nos barrancos de adobe, o Intendente, o Juiz, o Promotor, o Mandatário e a companhia, a corte altissonante, se abrigam, aguardando o momento de entrada triunfal.

Despontam sob a claridade do luar, uma cavalgada de se ver e bater palmas: gordos, fortes garbosos, bem vestidos, bem dispostos, traziam a lei para implantá-la. Jacinta Coroca apoiou a repetição no galho de árvores. O Capitão Natário de Fonseca repetiu:

- Lugar mais bonito pra viver!

- Não há igual - concordou Coroca.

Montando um esplendo de égua, no centro do cortejo, tendo de um lado o Intendente, do outro a divina Ludmila Gregorióvna, destacava-se o corpanzl do bacharel Boaventura Andrade Júnior, chefe político, mandachuva. A cara aberta em riso.

Natário firmou pontaria, visando a testa de Venturinha. Em mais de vinte anos, não errara um tiro. Com sua licença, Coronel.

II- Comentários

Há discurso direto, indireto e indireto livre.

A narrativa, conforme palavras do autor, se dá de 'déu em déu', ou seja, conforme as afluíam, sem preocupação de linearidade. Na verdade, o autor nos vai pintando em separado peças de um mosaico que cabe a nós leitores montá-lo e compreendê-lo.

Elementos primordiais do discurso de Jorge Amado: os coronéis, jagunços e prostitutas.

Os coronéis como figura de esteio: os jagunços cabras mandados, nos dando a impressão de seres insensíveis, que cumprem ordens sem se darem conta se o ato que cometeram está certo ou errado; e as prostitutas, aos montes, as pencas, para deleite dos coronéis, jagunços e toda a corte nordestina.

Mulheres-damas que se dão por dinheiro, depois de, quase sempre, terem sido estupradas pelos pais, não tendo mais sonhos ou ilusões caem pela vida e acabam fazendo por prazer. São aves de arribação que vivem insatisfeito, razão pela qual não se firma em nenhum lugar.

III- Autor

Jorge Amado é o ficcionista mais popular do país. Sua obra tem-se caracterizado pela adesão afetiva do narrador aos fatos que relata. Ao contrário de um Graciliano Ramos que observou criticamente o real, a tendência de Jorge Amado foi de aceitar sem profundidade crítica o universo psicológico de suas personagens. Poderíamos falar, nesse sentido, de um populismo literário, mesmo em relação aos romances de ênfase política. Nessas narrativas, o narrador idealizou personagens e situações. 'Capitães da areia' seria um exemplo dessa idealização, quando menores abandonados, liderados por Pedro Bala, acabam por adquirir consciência revolucionária.

Nas crianças abandonadas teríamos os 'novos' valores da solidariedade social; os 'velhos' valores [opostos a solidariedade] seriam os das classes dominantes. Essa redução de uma realidade mais complexa teve caráter romântico e não realista, como pretendia Jorge Amado. A própria confiança do narrador no destino das personagens foi igualmente abstrata. Numa representação realista da realidade, teríamos a coexistência dialética de valores conservadores e revolucionários em uma mesma personagem. E a afirmação de valores sociais não seria assim tão simplista, como ocorreu na evolução de 'Capitães da areia'.

'Capitães da areia' inseriu-se entro os 'romances proletários' de Jorge Amado. O país do carnaval, romance de estreia, já mostrava uma visão mais crítica do país, que seria intensificada nas narrativas seguintes: 'Cacau e Suor', onde faz a denúncia da exploração dos trabalhadores e aparecem suas lutas políticas.

'Terras do sem-fim' tem sido considerado o melhor romance de Jorge Amado. Essa narrativa registrou as lutas e falcatruas dos 'coronéis' nas terras do cacau, na Bahia. 'São Jorge dos Ilhéus' foi um descobrimento do romance anterior, onde apareceu a associação de interesses entre exportadores estrangeiros do cacau e seus testas-de-ferro locais, deslocando o poder político dos antigos coronéis. Em 'Seara vermelha', Jorge Amado voltou a idealizar a sua política.

Paralelamente a essa literatura de engajamento político explícito do escritor, apareceram relatos políticos de pregação partidária, como os documentos 'O cavaleiro da esperança' e 'O mundo da paz'. Na década de 50, Jorge Amado afastou-se das narrativas de ênfase político-social: a mudança foi mais temática do que de estrutura narrativa. 'Gabriela, cravo e canela' nessa nove perspectiva, trouxe um hina de liberdade, dentro da mitologia tropicalista baiana.

O narrador aderiu afetivamente à perspectiva de Gabriela, que seria extensiva a outras mulheres e mesmo ao país. Dentro dessa linha de narrativas de costume mais coloridas, surgiram depois 'Os pastores da noite'; 'Dona Flor e seus dois maridos'; 'Tenda de milagres'; 'Teresa Batista cansada de guerra'; 'Tieta do Agreste'. Com 'Farda, fardão e camisola', com ação desenvolvida em torno da Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado voltou a enfatizar a denúncia ditatorial do Estado Novo. A denúncia poderia ser presentificada para a situação vivida por seus leitores.

Merecem destaque especial pela criatividade e elaboração artística duas narrativas dessa segunda fase de Jorge Amado: 'Quincas Berro D'água' e 'Velhos Marinheiros'. Em Quincas Berro D'água coexistem na fantasia artística realidade e fantástico. O protagonista [Quincas] deixou a vida burguesa pela boemia'.

Encontrado morto, a família pretendia dar-lhe um enterro convencional, mas Quincas veio a animizar-se ganhando características de vivo. Libertou-se do enterro familiar, com ajuda de amigos boêmios. Fugiu do velório para farrear em 'noite fantasmagórica' com amigos. Teve depois uma segunda morte, como os marinheiros - no mar. Observe-se a sátira mordaz ao universo familiar, quando o cadáver começou a dar sinal de vida.

JORGE AMADO de FARIA nasceu no município de Itabuna [Bahia], em 1912. Fixou-se em Ilhéus, aos dois anos de idade. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1930, onde cursou Direito. Escritor de militância política. Foi preso duas vezes. Teve exemplares de seus livros apreendidos e queimados na época da ditadura de Vargas. Foi deputado federal cassado e teve de exilar-se. Retornou definitivamente ao Brasil em 1956.

IV- Obras

Ficção:
O país do carnaval [1931]; Cacau [1933]; Suor [1934]; Jubiabá [1934]; Mar morto [1936]; Capitães da areia [1937]; terras do sem-fim [1942]; São Jorge dos Ilhéus [1944]; Seara vermelha [1946]; Os subterrâneos da liberdade [1954]; Gabriela, cravo e canela [1958]; Quincas Berro D'água [1961]; Velhos marinheiros [novela, 1961]; Os pastores da noite [1964]; Dona Flor e seus dois maridos [1966]; Tenda dos milagres [1969]; Teresa Batista cansada de guerra [1972]; Tieta do Agreste [1977]; Farda, fardão e camisola de dormir [1979].

Outros:
A estrada do mar [1938]; ABC de Castro Alves [biografia lírica, 1941]; O cavaleiro da esperança [1945]; Bahia de Todos os Santos [guia da cidade de Salvador, 1945]; O amor de Castro Alves [teatro, 1947] posteriormente reeditado com o nome de 'O amor do soldado'; O mundo da paz [viagem, 1951]; O gato malhado e a andorinha sinhá [história de amor, 1976].