Um grupo de colonos alemães liderados por uma frágil mulher, Jacobina Maurer, a qual se intitulava o 'Cristo Feminino', revolta-se contra as institu... Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
Título do artigo:

Videiras de Cristal

97

por:

[Luís Antônio de Assis Brasil]

'As almas dos fiéis se assemelham a videiras de cristal: fecundas nos verões luminosos, mas frágeis e quebradiços quando cobertas pela geada do inverno'.

Sobre o autor, nota-se a preocupação em desmistificar os heróis da nossa História, apresentando-os em sua dimensão humana, com falhas, fraquezas, mas exaltando também os momentos de grandeza.

Tendo a história como pano de fundo, Assis Brasil, vai desta forma, reconstituindo o passado do Rio Grande do Sul.

1. Preliminares

A obra trata da imigração alemã no RS. O autor parte de um acontecimento político - o episódio dos Mukers. A personagem principal é a própria Jacobina, que comandou a insurreição contra a ordem constituída em nome dos princípios religiosos, o fanatismo, o abandono espiritual e material a que foram relegados os alemães que se estabeleceram na região do RS - Vale dos Sinos - a partir de 1824. O cenário é o próprio morro do Ferrabrás, próximo a Nova Hartz, palco dos lamentáveis acontecimentos que mancharam a História do RS na de do século XIX.

2. Características

  • predomínio do romance histórico
  • estrutura neo-realista
  • linguagem tradicional
  • visão crítica e desmistificadora do passado

3. Espaço

A noção de espaço é precisa, porque o autor utiliza-se de descritivismo. O local é o Rio Grande do Sul, área de colonização alemã - Padre Eterno - no morro Ferrabrás [atual Sapiranga], colônia com pouca infra-estrutura.

4. Tempo

Entre 1872 e 1874. À época do Segundo Reinado e do processo de Industrialização. É o início da fase de descrédito de D. Pedro II. O fato relatado pelo livro não foi um processo isolado e, sim, uma relação com a realidade política, econômica e social da época. Outras tantas revoltas surgiram no Brasil no final do século XIX e início do século XX.

5. Linguagem

Constitui-se de uma narrativa fragmentada, ora feita em 1ª pessoa, ora em 3ª pessoa do singular [narrador onisciente e imparcial]. Os personagens são apresentados individualmente e, aos poucos, incorporam-se à trama. Em algumas passagens, o narrador assume a 'fala' de certos personagens para melhor externar seus sentimentos.

6. Personagens

Jacobina Maurer

Esposa de João Jorge Maurer, mulher frágil que liderou o movimento messiânico dos Muckers. Grande capacidade de persuasão, carisma, demonstrava equilíbrio emocional. Dizia ser o novo Cristo. Curava as pessoas pelo Espírito Natural;

João Jorge Maurer

O 'Wunderdocktor', marido de Jacobina;

Jacó-Mula

Estereótipo do fanatismo do movimento. Ignorado pela família e pelos amigos, foi morar em Ferrabrás, integrando-se aos muckers. Tornando-se um dos mais fiéis amigos de Jacobina;

Johann Georg Klein

Nascido na Alemanha era um homem culto com desejo de ser pastor. No Brasil, casou-se com Carolina Mentz, irmã mais velha de Jacobina, sendo convidado por esta a exercer funções eclesiásticas entre os Muckers. Ele aceitou e tornou-se um dos membros mais importantes;

Rodolfo Sehn

Amante de Jacobina;

Christian Fischer

Psiquiatra alemão que acabou aderindo à causa dos muckers;

Ana Maria Hofstäter

Era apaixonada por Halbert. Com o assassinato deste, passou a odiar Jacobina [para quem trabalhava como criada];

Halbert

Morava em Ferrabrás, era um mucker; porém, quando preso e, logo após absolvido, foi morar com seu tutor, que era católico. Começou a colaborar com a polícia, indicando nomes e suspeitos do atentado contra João Lehn. Foi assassinado;

Tio Fuchs

O ruivo mucker; matou Halbert;

Schreiner

Delegado da província de São Leopoldo;

Splinder

O subdelegado;

João Lehn

Inspetor de Quarteirão do Ferrabrás;

Padre Mathias Munsch

Da Companhia de Jesus;

Pastor Boeber

Da Igreja Luterana do Padre Eterno;

Coronel Genuíno Sampaio

Comandou o primeiro ataque aos muckers;

Capitão San Tiago Dantas

Passa ao comando do segundo ataque.

7. Resumo

Na colônia germânica de Padre Eterno, aos pés do Morro Ferrabrás, nos anos de 1872 a 1874, dá-se um episódio fascinante da história do Rio Grande do Sul. Um grupo de colonos alemães liderados por uma frágil mulher, Jacobina Maurer, a qual se intitulava o 'Cristo Feminino', revolta-se contra as instituições da época. Os 'muckers' [santarrões, hipócritas, santos fingidos, em alemão] eram confortados por Jacobina com suas promessas do paraíso celeste, pois esta fazia previsões sobre o fim do mundo. Sendo vistos como fanáticos pelas autoridades e demais cidadãos, o muckers começaram a ser perseguidos. Ao contrário do que pensavam, o grupo começou a aumentar, tendo como apoio as palavras da Mutter [mãe], 'a porta-voz do Espírito Natural'. Com isso, uma verdadeira guerra se instaurou na colônia: de um lado os muckers, defendendo sua fé, e de outro os demais colonos, que defendiam a ordem.

Com o elevado número de mortes e incêndios, a situação chegou ao ponto de ser necessária a convocação do Exército Imperial para pôr fim à confusão. A essa altura, os muckers eram cerca de duzentas pessoas, capazes de morrer por Jacobina. Com a chegada do Exército Imperial, eles se reuniram na casa da Mutter, na busca de refúgio e proteção; porém, após alguma resistência, o lugar foi tomado pelo exército, que se constituía de mais ou menos quinhentos homens bem armados, e os muckers e sua cidadela foram arrasados. Jacobina, sua filha caçula ['a filha da fé'] e mais umas vinte pessoas, entre elas os principais líderes, conseguiram fugir para um esconderijo no Morro Ferrabrás. No entanto, um dos sobreviventes, Andreas Luppa, que teve sua família morta, revoltou-se contra Jacobina, entregando-a às autoridades. Num segundo ataque, o Exército matou o restante, inclusive a líder Jacobina Maurer.

8. Resenha crítica

O livro Videiras de Cristal pareceu-nos relatar, com verossimilhança, os fatos ocorridos em tal acontecimento [Revolta Messiânica dos Muckers]. Luís Antônio de Assis Brasil, com ajuda de pesquisas e um bom respaldo bibliográfico, conseguiu caracterizar com detalhes a vida dos personagens envolvidos na história. É, no entanto, um romance de ficção, tendo em vista a criação de vários personagens e suas vicissitudes. Apesar de o livro estar preso no tempo, conseguimos visualizar muito bem a história devido ao detalhismo. Assis Brasil usa um artifício muito peculiar para melhor caracterizar seus personagens que é a profunda análise psicológica. Assim, podemos perceber os conflitos internos de cada um. O autor faz uma crítica sutil à estrutura do governo imperial, através dos liberais, mas não apresenta solução para os problemas. A história[religiosa] é atemporal, pois seitas como a dos Muckers surgem a toda hora. Outro ponto interessante a ser ressaltado é a mesquinhez, o individualismo e a ingenuidade das pessoas. Os adeptos da seita eram cegos de tão ingênuos e os outros personagens, com exceção do Padre Munsch, colocavam seus interesses em primeiro lugar.

Devemos observar as três guerras messiânicas ocorridas no Brasil, no século XIX: Muckers[RS], com Jacobina Maurer; Canudos[BA], com Antônio Conselheiro e Contestado[SC], com Antônio Maria.