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Título do artigo:

O Negro Bonifácio

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por:

[Simões Lopes Neto]

No conto 'O Negro Bonifácio, a narração é feita em 3a. pessoa, e o autor dirige-se a um hipotético interlocutor, de tanto em tanto, com a expressão 'escuite'.
O autor faz a descrição pormenorizada de Tudinha, a chinoca mais candogueira daquele pagos; e do negro Bonifácio.

Tudinha era filha de siá Fermina, e dizem que seu pai era o capitão Pereirinha.
Ela e a mãe haviam ido às carreiras. Também foram os quatro namorados de Tudinha, sendo um deles o Nadico.

Apareceu lá o negro Bonifácio, que começou a pastorejar Tudinha e a convidou para uma aposta. Ela aceitou. Se ganhasse, receberia uma libra de doces.

A tordilha em que ela apostara venceu. No meio da comemoração, apareceu o negro, trazendo os doces, e Tudinha mandou que ele desse os doces à mãe dela. O negro insistiu. Nadico pegou os doces e os jogou na cara do muçum. Começou a confusão.

O negro, Nadico, os outros namorados de Tudinha e os que tinham contas a ajustar com aquele negro atrevido brigaram.

O negro foi ferido. Nadico teve a barriga aberta, depois morreu [Tudinha agarrou-se a ele]. Fermina jogou água quente no negro e este, depois de urrar, atravessou-a com o facão. Ao mesmo tempo, um bolaço atirado por um homem acertou a cabeça do negro, que caiu. Tudinha, que não chorava mais pelo Nadico morto e pela mãe Fermina, que estava estrebuchando, com muita raiva, saltou sobre Bonifácio, tirou-lhe o facão e vazou os olhos dele. Depois cravou o facão debaixo da bexiga, dez, vinte, cinquenta vezes cravou o ferro afiado como quem espigaça uma cobra cruzeira, numa toca, como quem quer reduzir a mingos uma prenda que foi querida e na hora é odiada.

Nisso apareceu o juiz de paz.

Mais tarde, Blau soube, surpreso, que o negro Bonifácio [tão feio] fora o primeiro a relacionar-se com a Tudinha [tão linda].

E finaliza:

'- Ah! Mulheres!... Estancieiras ou peonas, é tudo a mesma cousa... tudo é bicho caborteiro...; a mais santinha tem mais malícia que um sorro velho...'

Tema: a tragicidade da vida e as paixões primitivas.

Simões Lopes Neto é um dos nossos melhores contistas. De linguagem poética espontânea, cheio de sensibilidade, prende de imediato o interesse e atenção do leitor.

Nem mesmo o emprego abundante de termos regionais gaúchos o torna menos atraentes.

Simões Lopes Neto conseguiu reunir sua profunda sensibilidade artística às tradições culturais gaúchas, de modo a exprimi-las, de maneira tão viva e espontânea, que o próprio caráter dialetal de sua linguagem - sem dúvida um elemento essencial de seu estilo - muitas vezes cede ao realismo social e psicológico de seus enredos e personagens.

Transcendendo os aspectos mais banais de um regionalismo centrado no pitoresco e na cor local, o autor não deixa, entretanto, de ser um observador atento de mentalidades, hábitos e costumes que sabe documentar com propriedade e precisão, expressando-os num português que é um registro fiel da fala do homem dos pampas.